Especialistas da Deloitte chamam a atenção para o enorme potencial das bicicletas e das scooters partilhadas. A articulação com os transportes públicos e o seu uso em viagens curtas são as mais-valias, dizem os autores do ensaio Small is beautiful, propondo quatro diretrizes que podem ser seguidas em qualquer centro urbano do planeta.
Scooters elétricas e bicicletas partilhadas apareceram praticamente da noite para o dia. Há cada vez mais adeptos da micromobilidade, conceito que ganhou relevância nos últimos anos, transformando o modo como os habitantes se deslocam nas cidades. Tanto governos como autarquias procuram responder aos desafios que estas novas formas de transporte oferecem. O fenómeno é recente, daí as suas potencialidades estarem ainda subaproveitadas.
Mas a micromobilidade é uma urgência nas cidades, que enfrentam explosões demográficas e desafios ambientais em larga escala. É com base em análises do cenário atual e também através de perspetivas para o futuro que Rashed Zarif, Bem Kelman e Derek Pankratz, especialistas americanos da consultora Deloitte, propõem caminhos que os aglomerados urbanos poderiam percorrer para articular estes modos de mobilidade com a rede de transportes públicos e substituir o carro em viagens de curta distância.
Num longo ensaio, ilustrado por números, gráficos e casos concretos, os investigadores propõem quatro princípios orientadores que as cidades deveriam seguir para regulamentar as tecnologias emergentes. Desde logo, diretrizes flexíveis para a regulamentação ser atualizada à medida que o mercado evolui.
Essa é uma forma de responder à velocidade com que as transformações ocorrem e é, aliás, um recurso já usado em Los Angeles, Estados Unidos, para definir as regras das scooters elétricas. As normas estão em vigor por um ano, permitindo aos decisores aprender e introduzir as mudanças necessárias antes de definir um quadro legal definitivo.
Testar antes de implementar
Zonas ou bairros para testes-pilotos promovidos pelas autarquias em parceria com os operadores são também outras soluções propostas. Trata-se, no fundo, de um recurso que permitiria experimentar novas abordagens testadas em simultâneo ou em diferentes momentos em áreas urbanas delimitadas.
A vantagem é conseguir ajustar taxas, multas ou incentivos, verificando o seu impacto nos comportamentos e resultados obtidos.
Regulamentação assente em critérios de desempenho é também um grande trunfo que a maioria das cidades ainda não aprendeu a usar. Esta é, no entanto, uma medida que exige aos decisores políticos capacidade para definir metas e métricas adequadas às realidades das suas cidades.
Se o congestionamento for, por exemplo, uma das principais preocupações, então – defendem os autores do ensaio –, o principal indicador poderia ser o número de viagens de carro substituídas pelos serviços de mobilidade partilhada, podendo essas estatísticas chegar através de inquéritos aos clientes.
O acesso destes serviços às populações a viver em zonas mais carenciadas de transportes públicos poderia ser outro fator a ter em conta. A Mobike, um serviço de bicicletas partilhadas na China, afirma ter duplicado o acesso ao emprego, à educação e à saúde ao colocar a sua frota em zonas periféricas de Pequim com uma distância superior a 500 metros do transporte público.
Regulamentação que procura colmatar falhas nas infraestruturas é finalmente a última proposta dos investigadores da Deloitte. Perante a incapacidade para responder a curto ou a médio prazo às necessidades dos utilizadores, procura-se com este recurso contornar provisoriamente os obstáculos.
A cidade americana de Denver, por exemplo, permite aos condutores das scooters usar os passeios se não houver ciclovias, impondo para isso limites de velocidade mais restritos.
Small is beautiful
O potencial da micromobilidade deve ser encarado não apenas como uma forma de conectar os utentes ao transporte público mas também como uma poderosa ferramenta para substituir o automóvel em distâncias curtas. Essa é uma das grandes mais-valias dos serviços partilhados.
E o potencial neste campo, em particular, é enorme, defendem os investigadores, relembrando que mais de quatro milhões de biliões de quilómetros (ou seja, um quatro seguido de 18 zeros) em todo o mundo poderiam ser convertidos em modos de transportes mais leves, segundo as estimativas de Oliver Bruce, investidor americano na área de mobilidade.
Uma bicicleta ou uma scooter elétrica, à primeira vista, não passam de veículos frágeis, mas é apenas aparência. Não é por acaso que os autores recuperam a velha expressão small is beautiful, usada originalmente nos ensaios do economista inglês Ernst Friedrich Schumacher, em 1973. Quatro décadas e meia depois, os investigadores da Deloitte continuam a insistir na necessidade de apostar nas "virtudes da pequenez" para desafiar o "gigantismo" do transporte individual.