Com o mundo parado, a redução das emissões não foi além dos 18%, avisa administrador da EDP Comercial. É um salto significativo, mas ainda não chega para cortar a meta em 2050.
Em 30 anos, a eletrificação da energia subiu apenas 4%, alerta o administrador da EDP Comercial, mostrando que o caminho para a neutralidade carbónica é enorme. O confinamento, contudo, ao provocar uma súbita melhoria da qualidade de vida nas cidades, ajudou a imprimir um sentido de urgência capaz de acelerar a mudança, antevê António Coutinho.
Como vê a retoma dos projetos energéticos após a quebra causada pela pandemia?
Há uma diferença entre projetos energéticos e de eletricidade. Nem toda a energia é eletricidade. Na Europa, aliás, a eletricidade representa apenas 22% do consumo total energético. Esse valor é um aspecto importante quando se procura assegurar um consumo cada vez mais elétrico para atingir a descarbonização. A mobilidade elétrica por si só permitiria reduzir em cerca de 25% das emissões de CO2.
E não são só as emissões de dióxido de carbono.
Pois não, temos tendência para nos focarmos nas emissões de CO2, mas são também todas as partículas nocivas para a saúde que se eliminam com a passagem da mobilidade fóssil para a renovável. Se algo foi notório no confinamento foi a súbita melhoria da qualidade do ar nas cidades que beneficiou muito a saúde das pessoas.
Ganhámos uma nova consciência com a pandemia?
Antes da pandemia havia já a consciência de que tínhamos de acelerar a transição energética. Mas, ao se ter a possibilidade de perspetivar de uma forma tangível o que representa essa mudança, essa consciência tornou-se ainda maior. Além da melhoria global que a eletrificação da mobilidade provoca na redução das emissões, há a eliminação das partículas nocivas no ar das cidades que, como sabemos, provocam doenças respiratórias graves
Foi um agudizar das consciências?
E foi para além disso também. As pessoas não conseguem ter consciência de como as condições de vida nas cidades se agravaram nos últimos anos por causa dos efeitos acumulados da poluição. O dia de hoje foi igual ao de ontem, mas é muito diferente de há 10 anos. Isso não ajuda a imprimir um sentido de urgência. Mas quando, de um momento para o outro, surge essa oportunidade, a consciencialização passa a ser mais imediata, levando as pessoas a quererem uma mudança para o mais breve possível.
A mudança, contudo, leva sempre o seu tempo.
É verdade. Basta reparar que, com o mundo parado, a redução das emissões não foi além dos 18%. Se o objetivo é a neutralidade carbónica em 2050, o desafio é muito significativo e tem mesmo de ser acelerado. Se hoje, 22% do nosso consumo é elétrico, há 30 anos era de 18%. Em três décadas aumentámos 4%. Para atingir a neutralidade carbónica em 2050, este número vai ter de acelerar em 50% ou 60%.
Com o teletrabalho a assumir maior protagonismo, qual será o papel da mobilidade elétrica?
Eu preferia falar em mobilidade, mais do que falar em mobilidade elétrica. O teletrabalho terá um impacto sobre a mobilidade em geral. Prevê-se, nos próximos anos, uma redução do número de quilómetros percorridos nos Estados Unidos e na Europa que será acompanhada por uma diminuição do número de veículos de transporte individual. É interessante verificar que a queda de venda de veículos foi bastante menor nos elétricos. Isso significa que a mobilidade se vai transformar. Vamos percorrer menos quilómetros, mas a maioria desses quilómetros percorridos vão ser elétricos. Se o objetivo é reduzir emissões e partículas, é o que interessa. E, neste aspecto, pode ser interessante olhar para o veículo como uma forma de mobilidade elétrica focada nos transportes públicos rodoviários, nos táxis ou nas frotas que asseguram a distribuição urbana. E, já agora, os ferries, por exemplo, são a diesel, mas a aquisição da nova frota será elétrica. Isso mostra a importância das políticas públicas para uma rápida transformação nas cidades.
Pacotes de recuperação da economia deveriam incluir iniciativas de transição energética?
Faz todo o sentido na Europa e, especialmente, em Portugal. A primeira razão é a necessidade imediata de injetar quantidades muito significativas de dinheiro na economia para conseguir revitalizá-la. Essa injeção deverá estar o mais alinhado possível com os objetivos de longo prazo. Essa é a forma de conseguir um maior retorno nesse tipo de investimentos. E, não menos importante, é o efeito na criação de emprego. A transição energética, sendo pela sua natureza descentralizada, é geradora de postos de trabalho. Basta pensar na diferença entre estações de abastecimento de combustíveis fósseis versus postos de carregamento espalhados pelo país. Para assegurar o carregamento dos elétricos teremos de ter um posto para cada 10 veículos. Ou seja, algo a rondar um milhão de postos a longo prazo, em Portugal, que será preciso instalar, manter e substituir. Se a transição energética é para onde caminhamos, faz todo o sentido incluir este setor na retoma, não só porque estaremos a sintonizar essas políticas com as estratégias de longo prazo, como a criar emprego sustentável.
No caso da EDP, o que destacaria no plano dos investimentos na transição energética?
Por um lado, a EDP como líder mundial, continua a fazer grandes investimentos nas áreas das energias limpas e renováveis em todos os mercados onde está presente. E, depois, nos mercados onde tem o retalho como consumidor final, está a desenvolver ofertas que ajudam no processo de transição energética. A mobilidade elétrica é uma dessas opções. Procuramos perceber junto dos clientes – com e sem viaturas elétricas –, quais as necessidades e dificuldades em cada momento do processo para corresponder com produtos e serviços que ajudem a fazer essa transição da forma mais simples possível. Outra área importante é o projeto-piloto, agora em fase pré-comercial, que procura fazer a transformação do gás de botija para a eletricidade usada no aquecimento da água ou para cozinhar, por exemplo. Por fim, há nova área que são as comunidades locais de energia assentes nas renováveis e nas quais a EDP está atenta e irá ter uma posição.
E a adesão dos consumidores ?
Como em todos os processos que exigem transformações, o arranque é relativamente lento, mas a tendência é começar a acelerar. Há muitas cidades na Europa em que, por exemplo, os painéis fotovoltaicos estão disseminados. Portugal não está ainda nesse ponto, mas acreditamos que chegará uma altura em estas opções vão ser decisões normais do quotidiano.