
ANSR vai lançar campanha para educar condutores de trotinetes

Os condutores de trotinetes estão obrigados às regras do Código da Estrada e podem perder a carta de condução. É a mensagem que a ANSR quer passar numa altura em que o caos e os acidentes causados por estes veículos já não passam despercebidos, disse o seu presidente, Rui Ribeiro, em entrevista.
Perante a convivência algo caótica entre automóveis, bicicletas e trotinetes partilhadas a que se assiste nos grandes centros urbanos, e consequente aumento de acidentes, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária já percebeu que vai ter de agir. E em primeiro lugar vai avançar com uma campanha de sensibilização para alertar os utilizadores destes meios de mobilidade suave que, à luz da lei em vigor, também eles são abrangidos pelo Código da Estrada, podendo ser punidos por infrações, revelou o presidente da ANSR, Rui Ribeiro, em entrevista ao Portugal Mobi Summit.
“Creio que as pessoas que usam estes meios não estão conscientes de que as regras do Código da Estrada também se lhes aplicam e que podem ser punidos por comportamentos como conduzir com excesso de álcool no sangue, circular em cima do passeio ou em sentido contrário”, referiu Rui Ribeiro.
No limite, acrescentou, “até podem mesmo perder a carta de condução por perda acumulada e sucessiva de pontos”. As infrações são semelhantes às definidas para automóveis e motociclos, a única coisa que difere é o valor das coimas que é, em regra, metade.
Para que a campanha seja o mais eficaz possível, a ANSR está a reunir dados que caracterizem com maior exatidão o utilizador-tipo destes meios de mobilidade e, por consequência, o público alvo da campanha, no que diz respeito à idade, sexo, meio social, etc.
À partida tudo indica que são essencialmente jovens, do sexo masculino, e turistas. Mas, para reunir melhor informação, a ANSR celebrou um protocolo com o Centro Hospitalar Lisboa Central, e está em vias de o fazer com outros hospitais, para saber quantos e quem são os acidentados com estes veículos que têm necessidade de recorrer ao hospital.
É que, como lembra Rui Ribeiro, às forças de segurança só chegam os dados de acidentes envolvendo terceiros, quando dão lugar a relatórios. Quando o acidente/ ferimento só envolve o próprio condutor de bicicleta ou trotinete, este escapa às forças de segurança. Para tentar identificar este universo em falta, a Universidade de Essen, na Alemanha, conduziu um estudo recente e conclui que só 75% dos acidentes são reportados. “Aqui em Portugal a realidade não será diferente”, o que aponta para uma subavaliação do fenómeno em 15%, adiantou o presidente da ANSR.
Dados da PSP indicam que houve 445 acidentes com trotinetes nos últimos três anos, numa média de 12 acidentes por mês entre 2019 e 2021.
Sobre esta tendência, o líder da ANSR admite que “se ainda não houve acidentes graves é apenas uma questão de tempo”. Ainda assim, Rui Ribeiro considera que “é preciso contextualizar e relativizar”, pois “de acordo com dados de 2020, de um total de 536 vítimas mortais com acidentes rodoviários, não houve registo de nenhum a envolver trotinetes, tendo estas representado 0,31% do total”. Uma proporção que tenderá, no entanto, a aumentar à medida que os modos de mobilidade suave registam uma adesão crescente um pouco por todo o mundo.
Menos legislação e mais foco na velocidade
Rui Ribeiro não é particularmente defensor de mais legislação punitiva para disciplinar a mobilidade suave nas cidades, que começa a gerar resistências entre os residentes e peões que vivem e circulam em cidades como Lisboa ou Porto, sobretudo pelo desrespeito das regras e pelo estacionamento desordenado. Defende antes a sensibilização. “O problema está mais nos veículos de mobilidade partilhada e não tanto nos utilizadores que têm veículos próprios e os usam para os seus trajetos quotidianos”, disse.
“Há um conjunto de regulamentação nacional, mas os municípios têm o poder de regulamentar as zonas de trânsito e os contratos de concessão e exploração de empresas de bike sharing”. Ou seja, essa é a margem de manobra que os municípios têm para tentar definir algumas regras.
Hoje em dia a tecnologia incorporada nos veículos já permite limitar muitas das infrações através do chamado “geofencing”, ou seja, uma barreira que é imposta por coordenadas geográficas, um GPS que identifica locais de acesso proibido e cancela o apoio elétrico à trotinete e ela deixa de andar.
“Com esta tecnologia, o incidente registado há tempos com um jovem que entrou de trotinete na Ponte 25 de Abril, por exemplo, teria sido evitado”, aponta aquele responsável.
A questão é que, apesar de já existirem trotinetes com diversos tipos de tecnologia para melhorar a segurança e o respeito pelas regras, não são as que estão mais em voga nas cidades portuguesas.
Um problema que está longe de ser um exclusivo nacional. Adicionalmente ainda há outra questão a preocupar as autoridades: a manipulação das trotinetes para lhes aumentar a velocidade, de forma ilegal. E tanto assim é que em Londres já foram apanhadas trotinetes a 80 km/h , o mesmo tendo-se verificado em Paris, a 90km, apontou. Em Portugal acredita-se que não deverá demorar muito tempo até que algo semelhante possa também ocorrer, embora as forças de segurança ainda não tenham detectado nenhum caso.
Legislar mais quando estamos a viver em pleno boom neste setor pode nem sempre ser a melhor estratégia, considera Rui Ribeiro. “Mais vale recolher dados e analisar primeiro do que fazer legislação avulso”, diz. E ainda existe uma lacuna que é a inexistência de uma homologação europeia de trotinetes elétricas.
Enquanto isso, a esfera de responsabilidade dos municípios permite-lhes tomar medidas para aumentar a segurança como a redução dos limites de velocidades em certas zonas, o que começa a acontecer com cada vez mais frequência e em mais locais. Essa é a via que está a ser adotada em várias caitais europeias para melhorar a convivência entre os vários tipos de mobilidade e também para ensinar os automobilistas a respeitarem os ciclistas e os peões.
A ANSR tem vários pedidos para apreciar se algumas vias têm condições de segurança a velocidades maiores que 30km/h. E Rui Ribeiro acredita que “esse será o futuro, pelo menos em certas zonas dos centros urbanos”, que terão cada vez mais vias com circulação limitadaa 30 km/h. Até porque a condução autónoma está aí à porta. O presidente da ANSR assinala, a propósito, o contrasenso de as pessoas resistirem às reduções de velocidade, mas ainda não terem provavelmente percebido que “quando a condução autónoma se massifcar ela vai limitar os veículos a velocidades dessa ordem, 30 a 50km/h”. Habituemo-nos pois.
Até lá, a ANSR vai às escolas, “vamos ter de ir às escolas, junto dos mais jovens”, sensibilizar para um comportamento mais responsável no uso dos veículos da chamada mobilidade suave.
Carla Aguiar