Bicicletas GIRA são reparadas até ao “osso” num centro de operações onde há uma “cirurgiã”

2022
13-09-2022

Na oficina das bicicletas partilhadas GIRA, da EMEL, em Cabo Ruivo, Lisboa, entram 70 por dia para serem arranjadas até ao motor, se for preciso. Entre os 18 mecânicos está uma única mulher. O novo presidente da EMEL, que acompanhou a visita ao espaço, é também um ciclista convicto

O som persistente do martelar e das ferramentas que apertam travões e peças metálicas transporta-nos logo para uma oficina mas ao fim de uns segundos de observação notam-se as pequenas (grandes) diferenças: o espaço está imaculado em limpeza, parte da tarefa dos mecânicos é dar várias voltas de bicicleta e há uma única mulher de chave de parafusos na mão a tornar mais leve o ambiente de trabalho, Andreia Silva, de 32 anos.

Estamos na oficina das bicicletas partilhadas GIRA da EMEL, em Cabo Ruivo, as coqueluches de duas rodas que já são parte da paisagem de Lisboa: 1600 em toda a capital (60% elétricas), 1080 na rua, 130 estações e mais de 9000 viagens por dia, segundo dados da EMEL (Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa).

A média de viagens já é superior às 6000 a 7000 de 2019 e está mais do que ultrapassada a curva descendente de março de 2020 (800 viagens diárias).

No espaço amplo de Cabo Ruivo as GIRA são reparadas por 18 “cirurgiões” ou mecânicos com instruções claras sobre a sua missão. “É dinheiro público que aqui está e por isso é aproveitar tudo até ao osso, neste caso, o motor”, afirma o engenheiro Bruno Vasconcelos Maia, responsável pela gestão dos sistemas de mobilidade da EMEL.

Passa por nós Adash, um indiano que já era mecânico de bicicletas no seu país natal, o que faz dele uma mais valia. Quando a EMEL entrou na operação GIRA teve de passar a formar os seus mecânicos. “Já tivemos a primeira edição do curso de princípios gerais de mecânica de bicicleta) e faremos agora uma segunda em outubro. Recrutamos pessoas sem experiência e no espaço de um mês conseguimos formá-los. A Andreia é exemplo disso”, explica Bruno Maia.

Carlos Silva, 57 anos, o novo presidente da EMEL que tomou posse a 1 de Agosto, acompanhou a visita à oficina. É um apaixonado da bicicleta desde que aos 45 anos teve de deixar a corrida e passar a pedalar por questões de saúde. “Ainda ontem fiz 40 quilómetros a pedalar, tenho uma bicicleta de estrada”, contou, entusiasmado, o ex-deputado do PSD, que foi experimentar o balanço ritmado de uma GIRA elétrica.

Apesar de Portugal ser o principal exportador europeu de bicicletas, as componentes eletrónicas e motores vêm de países como China e Japão. Segundo o presidente da EMEL, “até pela questão das patentes seria difícil tornarmo-nos produtores”.

“Somos a Carris das bicicletas”

Todos os dias entram na oficina 70 bicicletas GIRA para serem arranjadas, aos fins de semana esse número cai para 35, como explicou Bruno Maia: “Nós somos a Carris das bicicletas porque os nossos utilizadores as usam como transporte publico, vão trabalhar e estudar com elas. O pico de utilização corresponde ao pico de uso dos transportes públicos e muito mais durante a semana do que aos fins de semana”. Os principais clientes são os residentes na Grande Lisboa que trabalham dentro da capital, sejam eles portugueses ou estrangeiros e que usam as GIRA para as viagens última milha até ao emprego ou à escola/faculdade. O passe das bicicletas custa 25 euros anuais e agora os jovens de 16 anos já o podem tirar. Dá para 45 minutos de utilização por dia, sendo que a maior parte do “last mile” em Lisboa é de 20 minutos.

“Quem faz mais estas viagens ‘last mile’ é malta de fora de Lisboa que vem para a cidade de transporte ou carro próprio que deixa nos parques dissuasores até porque já vai havendo alguns”, acrescenta o presidente da EMEL. E agora há um novo mercado a surgir: participantes em congressos que decorrem em Lisboa e estão a pedir à empresa para terem estações GIRA nos locais.

As bancadas da oficina estão repletas de aros,  pneus, motores, tudo devidamente catalogado e separado.  Antes de as bicicletas chegarem ali passam pela “manutenção preventiva” da operação GIRA que é assegurada por técnicos que vão ao terreno, espécie de equipa de primeiros socorros. “A manutenção preventiva por norma é feita de 50 em 50 viagens ou de 14 em 14 dias. O sistema lança a ordem de trabalho automática e essa bicicleta fica presa numa doca, passa a vermelho e ninguém a pode tirar até um técnico ir ao terreno fazer a revisão e ser libertada, por norma são pequenas afinações de pneus ou travões. Se o problema for mais complexo vem para a oficina”, explica Bruno Maia.  

A operação GIRA no terreno trabalha 24 horas, sete dias por semana. A oficina funciona sete dias por semana mas apenas com dois dois turnos: das 8h00 às 16h00 e das 10h00 às 18h00. “Hoje temos 1080 bicicletas na rua. Poderíamos ter mais mas o rácio de ocupação é de 0,41. Por norma tentamos ter o número de bicicletas na rua para o nível de viagens e para o número de docas disponíveis”.

Lisboa tem a maior operação de bicicletas partilhadas ou “bike sharing” do país. Uma estação da GIRA em Lisboa tem um totem com o número e a sua localização e inclui em média 20 docas onde “atracam” as bicicletas (embora possa levar até 40 docas).

Da equipa de terreno também fazem parte os técnicos de eletrónica que fazem a manutenção da estação e que vêm da escola profissional Gustave Eiffel.

Através da aplicação no telemóvel, muitos dos clientes são “hardcore da GIRA”, brinca o engenheiro: avaliam a viagem classificando-a e reportam avarias ou anomalias. “Quando terminam a deslocação a app pergunta o rating e quando eles dão uma ou duas estrelas a aplicação pergunta porquê. Portanto, temos muitas anomalias reportadas pelos clientes. E muitas ordens de trabalho que surgem por essa via”. O presidente da EMEL também não escapa a essa cidadania ativa. “Recebo montes de fotografias logo de manhã. Ainda hoje recebi uma da estação do Palácio da Justiça. Essa e a do Marquês de Pombal são muito usadas”, conta Carlos Silva.

Algumas das estações mais usadas são Alameda, Almirante Reis, Parque das Nações, Olivais, Amoreiras e Lumiar.

Centro de controlo em contacto com PSP

No piso superior da oficina funciona o centro de controlo de operações, 24 horas com escalas rotativas, um técnico em permanência a monitorizar a localização das bicicletas em tempo real: as que estão em circulação, as atracadas e as que são sinalizadas porque saíram da área prevista. “Qualquer bicicleta que saia do concelho de Lisboa é um alarme para nós. É sinalizada e contactamos a PSP”, explica o técnico. O centro de controlo está sempre em contacto online com a polícia e a enviar localizações das bicicletas.

Os furtos por arrancamento das GIRA já foram em número muito elevado, ao ponto de se terem registado 300 no espaço de um mês e meio no início de 2021. Mas têm descido e agora são quase residuais (houve dois consumados este ano). A EMEL concebeu agora um cadeado que só falta desenvolver com a aplicação para ser um instrumento anti-furto.

Nos monitores do centro de controlo vê-se que os pontos vermelhos são as  bicicletas atracadas a carregar,  os amarelos são fora da rede mas estão ligados e têm uma viagem associada, os azuis são as bicicletas convencionais,  os verdes são estações, as verdes de fundo branco são as vazias. “Temos um reboque a fazer reposições e estamos a testar um programa novo que faz a gestão das estações, e prevê, com base no histórico de viagens, que daqui a uma hora aquela estação vai estar cheia, por exemplo”.

Qualquer uma das 1600 bicicletas da frota é localizada por GPS em tempo real. A longo prazo esta rede vai expandir porque este modo de mobilidade suave é cada vez mais adotado pelos lisboetas.

Uma mulher entre mecânicos

Andreia Silva, 32 anos, vive na freguesia lisboeta de Marvila e é mecânica da GIRA há três meses. “Fiz o curso aqui. Conhecia as bicicletas da GIRA mas não as usava. Quando vim não sabia que a oficina era um meio só de  homens, mas percebi que é um trabalho que gosto de fazer. Para mim não é difícil conhecer a bicicleta por dentro, gosto de aprender”. Andreia não nega que gostava de ver mais mulheres na área e acredita que é uma questão de tempo. É uma aficionada do pedal. “Em casa tenho cinco bicicletas: uma para mim, outra para o meu filho, outra para o marido, outra para o sogro e uma sobressalente. Gostamos muito de pedalar e aproveitámos ainda mais no confinamento”. A única mulher na oficina de bicicletas partilhadas da GIRA vai passar a ser também uma utilizadora mais regular do pedal. “Ainda não vim de bicicleta para ao trabalho mas é uma das ideias que tenho. Faço meia hora a pé a caminhar, de bicicleta é 15 minutos. O problema é que na minha zona, em Marvila, ainda não há docas da GIRA”, lamenta. O presidente da EMEL anotou a falha.

ENTREVISTA

Carlos Silva, presidente da EMEL

“Lisboetas podem contar com novas estações GIRA”

Vai estar em funções neste mandato autárquico, até 2025. Que balanço faz, para já, da rede GIRA?

Carlos Silva – A GIRA é um excelente projeto da EMEL. Representa no campo da mobilidade suave uma revolução e é cada vez mais importante, tendo em conta as alterações climáticas, a transição energética e a passagem para a mobilidade suave. Lisboa enfrenta um problema grave que é todos os dias entrarem na cidade 400 mil viaturas. O accionista Câmara de Lisboa encomendou este projeto à EMEL e o resultado é este este: 1600 bicicletas, 130 estações, uma utilização diária que tem vindo a crescer, de quem trabalha e estuda em Lisboa.

Gostaria de duplicar a frota?

Essa ambição seria extraordinária mas é evidente que os recursos são escassos. Claro que vamos ter que adquirir novas bicicletas até para substituir o parque atual. Mas também é fundamental que elas sejam mantidas e a oficina mostra o que se pode fazer em manutenção e aproveitamento de peças.

Os lisboetas podem contar com novas estações GIRA?

Podem. Temos uma perspetiva de crescimento e vamos tentar atingir o maior número de freguesias do concelho de Lisboa. Mas neste momento temos de fazer um balanço muito importante do projeto atual, do ponto de vista financeiro. Mas é inevitável que tenha de crescer até porque há uma forte pressão por parte das juntas de freguesia, das escolas, agora até de participantes em congressos em Lisboa, para haver bicicletas GIRA disponíveis.

Está previsto um crescimento da rede de ciclovias na cidade?

É necessário. É evidente que as ciclovias nunca deixam todos satisfeitos: nuns casos rouba-se estacionamento, noutros rouba-se eixo viário mas o futuro vai ter de ser compatibilizar transporte automóvel com o modo suave da bicicleta. A intermodalidade com os parques dissuasores para quem vem de fora de Lisboa é fundamental e vamos dar resposta a isso. Mas tudo terá de ser feito em consenso e nunca em conflito com as populações.

 

 

 

 

Rute Coelho

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