“Cada vez mais pessoas querem morar nos super bairros de Barcelona"

2022
21-06-2022

Inverter a hierarquia dominante dos carros e colocar os peões na liderança da cidade é o conceito na base dos super bairros de Barcelona. Após a resistência incicial a esta revolução urbana, esté já é o novo normal, diz a adjunta para a mobilidade do município, Silvia Martos, em entrevista.

“As cidades devem ser para as pessoas e o automóvel tem de ser apenas um convidado”. Esse é o propósito da política pioneira de mobilidade de Barcelona, assente nos chamados “super quarteirões”, que quer devolver aos peões 60% do espaço ocupado pelos carros.

Silvia Cassorán Martos, adjunta no gabinete de urbanismo do município catalão, explica o conceito dos super quarteirões que inspira urbanistas um pouco por todo o mundo: “No fundo, trata-se de inverter a hierarquia que dominou no último século, em que o carro era dominante, e colocar o peão no centro”. Até porque, segundo a convidada do Portugal Mobi Summit, “apesar de só 15% dos residentes da cidade usarem o carro diariamente, eles ocupam 65% do espaço público”.

Dito assim até parece simples, mas esta política que começou a ser aplicada na capital catalã em 2016, primeiro a título de projeto-piloto, representa uma autêntica revolução nos hábitos de mobilidade das pessoas. A autarca não esconde que o projeto gerou resistências, justamente pelo seu caracter disruptivo, que implicou muitas mudanças, nomeadamente de direção, com os carros a terem sempre de virar na primeira esquina.

“Houve resistências de vários atores que intervêm na cidade, porque é difícil gerir isto”, assume. Mas, ressalva, “temos de defender a saúde da população”, não só o ambiente, mas a qualidade de vida da população.

A questão da saúde revelou-se um argumento de peso, na medida em que nesse ano um estudo da agência local de epidemiologia ambiental concluiu que poderiam ter sido evitadas cerca de 1200 mortes se Barcelona mantivesse os níveis de qualidade de ar recomendados pela União Europeia. E também os níveis de ruído estavam 60% acima do recomendado.

Hoje, seis anos depois de ter sido criado o primeiro super quarteirão, Silvia Martos diz que “há muita gente, que começou por ser contrária à ideia, a pedir ao município de Barcelona para que a sua rua seja abrangida pelos super quarteirões”.

Uma nova lógica cria novas comunidades

Mas o que são afinal estes novos bairros? A ideia é juntar blocos de nove quadras e transformá-los em apenas um, formando um quadrado de 400 metros de lado. Dessa maneira, o trânsito de carros nas ruas internas é substituído por passeios largos, ciclovias, espaços de lazer e áreas verdes, devolvendo 2 mil metros quadrados às pessoas e com prioridade para os transportes públicos. Os carros particulares nas ruas periféricas têm restrições maiores, com exeções para os moradores, veículos de entregas ou de emergência, mas com limites de circulação de 10km/h.

O bairro de Eixample foi o primeiro a aderir à nova era e, aos poucos, começaram a nascer novas praças e jardins pela cidade, que, segundo Silvia Martos, “estão a induzir um novo sentido de micro-comunidade, em que as pessoas, a quem já chamam de 'super vizinhos' se sentem mais conectadas”, conhecem-se melhor, o que permite um maior controlo social e por isso também uma sensação de segurança reforçada, diz. “Até para as questões de género é importante, porque as mulheres sentem maior segurança”, refere a especialista em ciências ambientais e mobilidade.

A maioria das queixas iniciais contra esta política urbanística partiu de associações ligadas ao setor automóvel, diz. E do comércio também. Mas a responsável aponta estudos segundo os quais entre 2016 e 2019 os superquarteirões trouxeram mais vida às zonas comerciais. “Está provado que andar a pé no passeio é a velocidade certa para olhar para as montras das lojas”, acrescenta Silvia Martos.

Quase em simultâneo com a introdução dos 'superblocks', o município aplicou em 2017 uma política generalizada de parquímetros em toda a cidade, em que já não é possível escapar ao estacionamento pago. “Para os residentes é bom e barato, porque por um euro por semana (15 euros por ano) têm lugar de estacionamento. Já para os não residentes é mais difícil”, admite.

Mais 5 mil metros quadrados no plano

Neste momento, a autarquia tem em curso um plano de expansão dos super quarteirões em mais 5 mil metros quadrados.

A consultora aconselha a que, ao nível político, estas mudanças sejam feitas logo a seguir às eleições, porque de outro modo é mais difícil não ser penalizado por elas. Há o incómodo das obras, da tradicional rejeição à mudança e tudo isso pode prejudicar, às vezes irremediavelmente, um projeto transformador. “Se for logo a seguir às eleições, as pessoas têm tempo para sentir o benefício das mudanças, para lá do transtorno”, considera.

Por outro lado, Silvia Martos é grande defensora das intervenções tácticas versus as intervenções estruturais no terreno. Por duas razões: “não só são mais flexíveis, permitindo testar e fazer ajustamentos quando algo não funciona tão bem, como fica muito mais barato”. E as diferenças podem mesmo ir de um custo de 50 euros por metro quadrado contra 500 euros por metro quadrado.

Seja como for, todas as intervenções feitas e planeadas em Barcelona têm um custo elevado que ascende a cerca de 60 milhões de euros. Mas as mudanças, embora difíceis, parecem estar a compensar ao nível da qualidade de vida dos residentes e do ambiente, afiança a especialista.

Silvia Martos foi entrevistada por Paulo Tavares e Charles Landry, curadores do Portugal Mobi Summit, o maior evento de mobilidade urbana que pode acompanhar em www.portugalms.com.

Silvia Casorrán Martos

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