“Placemaking é criar grandes espaços para as pessoas, não é uma coisa hipster”

2022
23-06-2022

Criar cidades ao nível dos olhos é fazer placemaking. Em Amsterdão, esse design à escala humana é usado também em bairros sociais, explicou Hans Karssenberg, sócio fundador da STIPO, um grupo multidisciplinar para criar melhores cidades, em entrevista ao Portugal Mobi Summit

“The City at Eye Level” é o título de um livro revolucionário sobre planeamento urbano que tem no designer urbano holandês Hans Karssenberg um dos autores e onde este criador de espaços dissertou sobre o admirável mundo novo que está a ajudar a conceber: cidades ao nível dos olhos, à escala humana. Sócio-fundador da STIPO, equipa multidisciplinar de desenvolvimento urbano, sedeada em Amsterdão, Hans Karssenberg é especialista em placemaking , ou seja, em criar espaços vivos e mais libertos de carros para as comunidades. “Placemaking é criar grandes espaços para as pessoas, não é uma coisa hipster”, afirmou Karssenberg em entrevista ao Portugal Mobi Summit.


“Todos queremos bons espaços sociais no bairro onde vivemos. Estou agora a trabalhar num bairro em Amsterdão ocidental onde há muitos descendentes marroquinos e turcos e que são super orgulhosos do seu bairro. Ao falar com os residentes, deu-nos a vontade de criar mais perspetiva social no bairro, mais espírito coletivo, porque o espaço público era aborrecido”.


Quando a equipa da STIPO começou a intervenção nesse bairro pobre, de imigrantes e filhos de imigrantes, havia uma lista de espera para trabalhar no projeto de um jardim comunitário e várias gerações envolvidas nisso, porque a participação implicava também uma forma acessível de ter comida. “Estamos a falar de um bairro onde ter mais 30 euros por mês faz diferença. Sabendo disso, lançámos o programa para expandir a quantidade de jardins comunitários no bairro. É uma forma de abraçar o placemaking, já abrimos há pouco o número
5 em dois anos, e vamos chegar aos 15 jardins comunitários naquele bairro e repensar como se faz a gestão destes espaços pelos residentes e também com a possibilidade de trabalharmos com organizações”, adiantou Hans Karssenberg.


Nesse grande laboratório de novas soluções urbanas que é a capital da Holanda, tem-se efetivamente criado “uma cidade ao nível do olho” ou à escala humana mas demorou mais do que uma geração até se chegar lá. “Eu tenho a sorte de viver em Amsterdão, aqui podemos fazer tudo de bicicleta num espaço de 15 a 25 minutos, mais rápido do que de carro ou transportes públicos. Mas as pessoas não se podem esquecer que nós éramos como outras cidades nos anos 80 e 90 do século passado. Significa que é preciso um longo tempo de estratégia, de décadas, para chegarmos ao ponto em que estamos em Amsterdão”.


“Quando toca ao espaço, as cidades tendem a focar-se apenas no design que é o que chamamos de hardware mas os designers tendem a esquecer-se dos utilizadores reais. Há uma importante combinação entre o uso e o design mas depois ainda há um terceiro elemento para além do hardware e software, que é o ordware (ordem e racionalidade). Porque mudar um espaço público requer tempo. Estar num espaço que funciona como o coração da comunidade normalmente demora 10 a 30 anos”, avisa, com o peso da experiência.

O sócio-fundador da STIPO lembrou que vai decorrer uma grande conferência de placemaking em Pontevedra, cidade da região da Galiza, em Espanha, ao mesmo tempo em que se realizará a Mobi Summit, em Lisboa, a 28 e 29 de setembro. E frisou o exemplo que tem sido dado por essa cidade galega e por outras urbes. “Pontevedra tem mudado muito nos últimos 20 anos, dedicaram-se a abrir mais o centro da cidade para peões. Milão, em Itália, também é um interessante exemplo, em que combinaram uma estratégia de longo prazo numa visão de transição para peões e ciclistas, combinado com ações a curto prazo”.


Em Milão, referiu, foi criado o programa “strade aperte” (“ruas abertas”), através do qual foram abertas 30 praças e 20 ruas para peões e ciclistas através de 200 iniciativas comunitárias e 30 parceiros privados num período de três anos, com o recurso também a toda uma nova política de uso de semáforos que se traduziu em resultados concretos. “Não gastaram muito dinheiro nisso mas é um exemplo de sucesso. Isto é um processo de urbanismo tático, convidaram a comunidade a ter propostas para a mudança”.


Mas a sua visão não é incompatível com a existência dos automóveis. “Estamos a tentar ter uma nova posição. Não somos contra os carros, por exemplo. Temos de fazer muitas correções às cidades desenvolvidas no pós- Segunda Guerra Mundial em que os carros se tornaram o fator dominante e isso significa mudar para mais espaços pedonais e num maior equilíbrio com o espaço ocupado por automóveis. Mas também queremos manter a produção nas cidades e muitos negócios precisam de carros”.


Na moderna perspetiva do placemaking “há muitos exemplos de como se pode organizar a logística de forma mais inteligente” sublinhou. “Podem-se usar horários diferentes de distribuição e certificar que os supermercados têm os seus camiões a abastecer, criando, ao mesmo tempo, zonas livres de carros, pedonais, o que exige um novo design nessas mesmas zonas”.


A estrada vivida e a estrada planeada
“Não se pode impor planeamento urbano atrás da secretária”, frisa Hans Karssenberg. “Como nós dizemos, de uma forma antropológica, a estrada vivida e a estrada planeada sentam-se à mesma mesa”.
Hans acredita que somos todos criadores natos de espaços – “é o que fazemos na nossa casa, na nossa sala de estar” - , e por isso também defende que as soluções têm de ser à medida da cultura, geografia e clima das metrópoles.
Na STIPO, Hans Karssenberg e colegas produziram um livro com exemplos asiáticos porque naquela parte do mundo surgiram soluções próprias adaptadas à geografia, clima e fatores culturais.
“Admiro muito o que Singapura fez para se tornar uma cidade verde e o que isso representou de compromisso a curto prazo do Governo”, exemplificou. “Primeiro desenvolveu-se como uma cidade de grandes parques mas há 20 anos decidiram mudar, por causa das alterações climáticas, para toda a cidade ser ela própria um parque. Portanto, verde nas ruas, verde nas fachadas dos edifícios, em todo o lado, desafiando os investidores a fazerem um esforço. Agora quando se anda no centro de Singapura este é muito agradável aos peões. Kuala Lumpur e Singapura estão na mesma temperatura mas na capital da Malásia sente-se mais 5 graus por causa dos carros e isso faz a diferença entre andar a pé ou não andar a pé”.

A cidade à escala humana é sobre “como nós, enquanto seres humanos, exploramos o ambiente à nossa volta e de como vamos a caminhar e de repente paramos e queremos entrar ali porque vimos uma rua encantadora”, concluiu.
Hans Karssenberg foi entrevistado por Paulo Tavares e Charles Landry, curadores do projeto Mobi Summit 2022,  o maior evento de mobilidade urbana que pode acompanhar em www.portugalms.com.

Rute Coelho

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