
Europa está na mira da indústria automóvel da China

Legislação da UE beneficiou a tecnologia de baterias e os construtores chineses estão a aproveitar essa vantagem para conquistar o mercado europeu
Poucos consumidores em Portugal reconhecem marcas de carros com nomes exóticos, tais como BYD, Niu ou XPeng, mas na União Europeia já não é assim. Estas empresas chinesas estão a entrar depressa no mercado europeu, fornecendo veículos com bom preço, equipados com baterias eficazes. A legislação da UE que favorece a tecnologia elétrica facilitou o avanço destas marcas. Segundo projeções do mercado, é provável que em 2030 pelo menos um em cada cinco carros elétricos vendidos na Europa tenha origem chinesa.
Por razões ambientais, a partir de 2035 deixam de ser fabricados na UE os motores a combustão, que tinham sido aperfeiçoados ao longo de décadas pelos construtores europeus. Essa vantagem perdeu-se. A aceleração da transição energética no setor da mobilidade pode ter sido uma bênção para os construtores chineses. Sabendo que não podiam competir em tecnologias convencionais, apostaram nas baterias e agora têm um sólido domínio na inovação, fabrico e até no mercado de matérias-primas. Esse avanço resultou em preços competitivos dos novos carros elétricos, também aproveitando a mão-de-obra mais barata.
Em três anos, as exportações de automóveis chineses triplicaram, atingindo no ano passado 2,8 milhões de veículos. A manter-se o ritmo, dentro de pouco tempo a China poderá ultrapassar o Japão como maior exportador mundial de carros (4,2 milhões de veículos em 2022). Pelo menos 14,5% destas vendas de automóveis chineses têm como destino a Europa, mas muitos veículos são da marca americana Tesla, fabricados na China, ou de marcas europeias entretanto compradas por empresas chinesas, como por exemplo a Volvo, adquirida pelo conglomerado industrial Geely. Surgem igualmente projetos conjuntos europeus e chineses.
Com um terço das suas exportações automóveis visando mercados asiáticos, a indústria chinesa pode tornar-se uma ameaça séria para os fabricantes japoneses, que hesitaram durante alguns anos na adoção das tecnologias elétricas. A Toyota, em particular, já está a perder quota do mercado americano, não para os chineses, mas para a americana Tesla, a grande beneficiária da transição energética, que caminha para ser o maior construtor mundial, com a ambição declarada de fabricar 20 milhões de carros anuais.
Os construtores chineses representaram no ano passado pelo menos 5% do mercado europeu, mas devem aumentar para 15% em 2025 e para 20% em 2030. Ao contrário do que aconteceu nas últimas décadas nos países ocidentais, onde houve forte concentração industrial, a China tem dezenas de marcas e ainda não ocorreu a previsível consolidação. Algumas destas empresas, altamente competitivas no preço, superaram as reticências dos consumidores europeus em relação à segurança.
Os números chineses ainda parecem modestos na UE, mas a indústria espera um crescimento incrível do setor elétrico. Em 2030, as empresas chinesas podem representar metade das vendas de automóveis em todo o mundo. Em 2025, dentro de apenas dois anos, os carros elétricos vendidos devem superar os 11 milhões, a nível global.
Negócio colossal
A China foi simplesmente mais rápida do que os outros países na adoção da tecnologia de mobilidade elétrica, mas também beneficiou da sua escala. Espera-se que haja pelo menos 200 milhões de carros elétricos a circular na China em 2040, o que trará consequências políticas, sobretudo na construção de uma classe média. É a perspetiva de um negócio colossal, que permitirá queimar etapas no crescimento económico, mesmo que ainda não seja clara a evolução dos custos das matérias-primas e do desenvolvimento da tecnologia.
Outro exemplo: é esperada a equivalência de preços entre carros elétricos e convencionais em meados da década, mas esta meta pode ser atingida mais cedo. Em 2013, o custo das baterias era superior a 680 dólares por kWh (kilowatt-hora); em 2021, tinha baixado para 132 dólares por kWh. Houve anos consecutivos com quebras superiores a 10%, mas o custo das matérias-primas subiu recentemente, sobretudo o lítio, por causa da procura, e a curva descendente suavizou. Há marcas que tencionam chegar a um preço inferior a 80 dólares por kWh antes de 2030. Além disso, nessa altura, as baterias serão mais densas e os carros mais leves, precisando de menos energia.
As vendas de carros elétricos ou de híbridos na Europa estão a aumentar depressa. Em junho, para citar um exemplo, venderam-se na UE 1,2 milhões de veículos, mas o segmento elétrico e híbrido atingiu 19% do mercado, ou seja, praticamente um em cada cinco carros tinha bateria recarregável.
O mercado português tem por enquanto escassa presença de marcas chinesas, à exceção da Volvo. Este cenário pode mudar depressa. Segundo números da maior associação do setor automóvel, ACAP, as vendas entre janeiro e julho somaram 142 mil unidades, das quais 21 mil usavam bateria. Isto implica uma quota de 14,8%, que continua a crescer: o campeão de vendas do setor, a Tesla, quadruplicou o número de veículos vendidos entre os primeiros sete meses de 2022 e o período homólogo de 2023.
Luís Naves
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