
Ideia de cidades sem carros divide política europeia

Está a instalar-se um conflito em torno do automóvel particular e do seu acesso aos centros urbanos. Esta questão promete animar as campanhas eleitorais e começa a separar os partidos da esquerda e da direita.
O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, tenciona mudar a orientação estratégica do Partido Conservador no poder, contestando aquilo que classifica de "políticas contra os condutores". O governo tenta capitalizar com o descontentamento que muitos proprietários de automóveis sentem em relação a restrições impostas pelas autoridades autárquicas dos rivais trabalhistas, nomeadamente a restrição de circulação de veículos poluentes em Londres.
Este plano (ULEZ, de Ultra Low Emission Zone) do presidente da câmara londrino, Sadiq Khan, limita seriamente o acesso de automóveis antigos ao centro da capital britânica. Os carros poluentes pagam mais para entrar nas zonas e o esquema reduziu o trânsito londrino em um terço. A medida é popular em meios ambientalistas, mas impopular entre os condutores. A câmara é trabalhista, mas a própria esquerda critica, dizendo que isto afeta os trabalhadores e surge numa altura de inflação.
Em julho, os trabalhistas perderam um círculo eleitoral dos arredores da capital, talvez por causa deste assunto. Isto explica a inversão de Rishi Sunak, que terá de ir a eleições gerais dentro de pouco tempo e precisa de recuperar o atraso do seu partido nas sondagens.
A questão das zonas sem emissões nos centros urbanos vem na sequência de uma inversão de política ambiental do Governo conservador. Sunak anunciou no mês passado a suavização das metas de redução de gases com efeito de estufa no Reino Unido, nomeadamente nos carros com motores a combustão. O anterior objetivo era acabar com a venda destes veículos já em 2030, mas agora será em 2035 (meta igual à da União Europeia).
A politização das políticas sobre automóveis é evidente no Reino Unido, mas está a alastrar à União Europeia. O Partido Popular Europeu (PPE), a maior formação do Parlamento Europeu, parece ter entrado nesta discussão com uma posição contra "a interdição de carros nos centros urbanos". A ideia surgiu nas redes sociais, numa mensagem onde se defendia os direitos dos condutores: "O PPE está do vosso lado e não deixará os socialistas tirar o vosso direito de conduzir".
"Precisamos de medidas ambiciosas e realistas para melhorar a qualidade do ar, não de medidas populistas ou drásticas", pode ler-se na mensagem dos conservadores europeu publicada a 12 de setembro, véspera de uma discussão parlamentar sobre a diretiva de qualidade de ar, que sofreu muitas emendas no parlamento. O PPE agrega a famílias de partidos de centro-direita na Europa, incluindo PSD e CDS.
A questão das metas
As instituições europeias não podem ignorar as posições do Partido Popular Europeu e, no entanto, a Comissão tem planos de mobilidade urbana sustentável que incluem apoios a 430 cidades da UE. Com menos carros, diminuem as emissões de gases tóxicos (óxido nítrico ou monóxido de carbono), mas também gases com efeito de estufa, como dióxido de carbono.
Os grandes partidos políticos concordam com a redução de emissões, a questão está nos calendários. O argumento do Governo britânico é de que os custos são elevados para os mais pobres e os gases com efeito de estufa estão em queda rápida. Segundo os números oficiais, entre 1990 e 2021, as emissões britânicas caíram 48%, apesar do crescimento económico, no mesmo período, de 65%.
Em França, as leis estão a apertar, primeiro nos veículos diesel com mais de 20 anos, cuja circulação será interdita a partir do próximo ano nos aglomerados urbanos com mais de 150 mil habitantes. A questão continua a ser controversa, também por causa dos carros de coleção. Geralmente, estes veículos estão guardados em garagens e são caríssimos, mas apesar da sua rara utilização, estão abrangidos.
Os defensores da proibição querem reduzir a poluição e os congestionamentos, libertando espaço para modos de mobilidade mais lentos, como a bicicleta. Oslo está a reduzir os lugares de estacionamento, apesar da frota automóvel norueguesa ter alta proporção de carros elétricos, ou seja, não parece haver apenas preocupação com emissões, mas com o modo de transporte.
Há outros exemplos, Ghent, na Bélgica, que lançou um programa de centro sem automóveis já com 26 anos. De outra dimensão, Paris tenciona reduzir o trânsito já no próximo ano, durante as olimpíadas, com a retirada dos veículos mais idosos e a diminuição compulsiva do tráfego de passagem. Para os defensores destas políticas, a mobilidade urbana sustentável tem vantagens, sobretudo a redução das emissões de gases com efeito de estufa, a melhoria do ar que se respira, investimento público, participação cidadã, qualidade de vida e crescimento económico. Barcelona, Copenhaga e Amesterdão são os exemplos mais citados.
Luís Naves