
Reino Unido investe na refinação de lítio

Londres deu luz verde à primeira fábrica em solo europeu visando reduzir dependência da China num mineral sem o qual não há baterias nem transição energética.
O governo britânico autorizou a construção de uma fábrica de refinação de lítio que entrará em funcionamento em 2027, capaz de produzir material suficiente para um milhão de veículos elétricos por ano. Será a primeira unidade do género criada em solo europeu. Segundo a Euronews Next, a autorização de Londres ao projecto da Green Lithium prevê uma unidade capaz de produzir 50 mil toneladas anuais de lítio refinado para uso em baterias (isso implica pureza de 99,5%). A matéria-prima será importada da Austrália, o maior produtor mundial de lítio em bruto. A empresa quer introduzir métodos com menor impacto, incluindo uso de energia renovável.
A eletrificação dos transportes está a provocar forte aumento na procura de lítio e a dependência da China preocupa os países que produzem automóveis. Os ocidentais têm de conseguir resolver vários problemas: sendo fortes na indústria, não dominam a refinação de um mineral presente em todas as baterias atualmente fabricadas.
Calcula-se que em 2030 pelo menos 60% das novas vendas no setor automóvel sejam de veículos elétricos. Na Europa, em 2035, deixam de ser construídos motores de combustão interna, pelo que a necessidade de baterias promete ser enorme nos países industrializados, com projeções de 15 milhões de carros elétricos fabricados na UE em 2035 (no Reino Unido são produzidos um milhão de carros por ano).
Portugal poderá ser na Europa um dos potenciais produtores de lítio, pois tem reservas significativas de 60 mil toneladas. O País poderia beneficiar da refinação no Reino Unido. A Europa tem pouca matéria-prima, apesar de terem sido encontrados depósitos na Suécia (um milhão de toneladas), Balcãs e Ucrânia, ainda muito longe das necessidades.
Construir as minas é outra questão: tipicamente, o processo dura década e meia, sendo necessário ultrapassar obstáculos políticos, como no caso da Cova do Barroso, onde um projeto mineiro de grande dimensão tem sido contestado pelas populações. As minas são a céu aberto e implicam fortes impactos, nomeadamente consumo de água e destruição da paisagem. No outro lado da equação está a vantagem da eletrificação dos transportes e do armazenamento de energia elétrica reduzirem o consumo de combustíveis fósseis que emitem gases com efeito de estufa.
Dependência
Haverá no mundo quantidade suficiente de lítio para resolver o problema da eletrificação dos transportes? A questão é controversa. Nos últimos dez anos, o aumento do consumo foi superior ao aumento de produção. Uma bateria de automóvel consome entre 8 e 12 quilos de lítio. Em teoria, a atual produção mineira daria para 11 milhões de veículos, mas este nível será em breve atingido pela indústria. Cálculos do Fórum Económico Mundial não antecipam cenários positivos nas próximas décadas: em 2030, a procura de lítio será três vezes superior à atual e as minas não terão capacidade. Segundo os números da Agência Internacional de Energia, as reservas conhecidas podem satisfazer as estimativas da oferta futura, mas sem folga.
Existem outros problemas. A refinação é controlada pela China, cujas empresas fornecem quase 90% do consumo mundial do produto refinado, que é a parte mais lucrativa. As maiores extrações do mineral estão concentradas em poucos países (China, Austrália e no triângulo americano, que inclui Chile, Argentina e Bolívia). São também consumidas grandes quantidades de água e, para piorar o cenário, as zonas ricas em lítio são pobres em água.
O controlo chinês sobre toda a cadeia de produção começa nas reservas do mineral, onde Pequim domina um quarto do setor. Pequim tem grande controlo sobre o mercado internacional, mas a refinação e o fabrico das baterias são os seus pontos mais fortes. Embora a Austrália seja o maior produtor mundial de lítio em bruto, a refinação não é competitiva e as empresas ocidentais preferiram instalar-se na China ou na Coreia.
É provável que o lítio esteja no centro do conflito crescente entre Estados Unidos e China pelo domínio das tecnologias do futuro. Quem controlar a transição energética terá um precioso trunfo geoestratégico. Nos meios políticos ocidentais fala-se na possibilidade de financiar investimentos de refinação e convencer a Austrália a reduzir a venda de matérias-primas aos chineses, nomeadamente carbonato de lítio.
Isto não abarca apenas os transportes, mas toda a fileira de painéis solares (já de si com grande domínio chinês, a 80%). A energia solar é armazenada em baterias que precisam de lítio e, sem o controlo da refinação, os ocidentais não conseguem reduzir a dependência em relação aos chineses.
A evolução tecnológica pode alterar estes cálculos, pois estão a ser desenvolvidas em laboratório baterias experimentais que reduzem o uso de lítio. Se houver outras formas de armazenar energia, a equação será bem diferente, mas neste momento não existe alternativa.
Luís Naves
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