Algo vai ter de mudar na forma como nos movemos mais cedo do que imaginamos e gostariamos. Só na área metropolitana de Lisboa, onde vivem mais de 2,8 milhões de pessoas, 60% usam o carro individual diariamente. São hábitos incompatíveis com as metas de descarbonização com que Portugal se comprometeu – de neutralidade carbónica em 2030 - e que exigem alterações de fundo ao nível das infraesturas de transporte público, da gestão do espaço urbano e dos comportamentos individuais.
Em causa estão não apenas as emissões de co2, mas também a saúde pública, o ruído, e até a mitigação de ondas de calor, como as que se têm registado em várias geografias e que chamam a atenção para a necessidade de agir já, mesmo em plena crise energética. Temos apenas oito anos para o fazer.
Fechar ruas à circulação automóvel, alargar redes pedonais, construir ciclovias, mas também, e sobretudo, investir na melhoria dos transportes públicos e do seu acesso são exemplos do que se pode fazer.
Os municípios de Lisboa e Cascais estão nessa via para se tornarem mais sustentáveis, como ficou patente esta semana na segunda sessão do Portugal Mobi Summit. Se um primeiro passo consistiu na redução do preço dos passes, a gratuitidade no acesso ao transporte também já não é miragem, vigorando há dois anos em Cascais e estando prevista para o outono em Lisboa, para jovens e idosos.
A excessiva dependência do automóvel individual está longe de ser um exclusivo nacional e agravou-se com a pandemia Covid-19, como refere um estudo deste ano da Deloitte sobre as tendências do setor automóvel pós-pandemia em 21 países de diferentes latitudes. Segundo aquele estudo, a maioria dos inquiridos ainda prefere usar o carro, sendo que essa percentagem sobe para 70% nos Estados Unidos. Nesta matéria, como noutras, as mudanças acontecem a duas velocidades nas diferentes geografias: enquanto no bloco ocidental é cada vez maior a fatia de pessoas que já não faz questão de ter carro próprio, na Índia e nos países do Sudoeste Asiático a intenção de ter carro até aumentou com a pandemia.
A eletrificação da mobilidade está em marcha, mas também a duas velocidades a nível mundial. Se é verdade que Portugal pontua bem, sendo o quarto país da UE com a maior percentagem de veículos eléricos ou híbridos nas novas vendas, também é verdade que continua a ter um parque automóvel envelhecido e os dados indicam que os veículos mais antigos são justamente os que são responsáveis por 90% das emissões.
Por outro lado, importa garantir que as fontes de energia elétrica são elas próprias sustentáveis. Uma das razões pelas quais Bruxelas certificou esta semana a energia nuclear como 'verde', num momento em que se tenta desesperadamente combater a dependência energética da Rússia.
Porque a solução para melhorar a qualidade de vida nas cidades não vem apenas da eletrificação dos transportes, cada vez mais cidades estão a apostar na criação de mais espaços verdes, com soluções inovadoras de refrigeração urbana, como telhados e corredores verdes, prédios forrados a plantas e muitas fontes públicas e os chamados spray parks. Singapura é, a esse nível, exemplar, pois após décadas de implementação de uma estratégia para se tornar uma cidade verde, com menos carros e parques naturais inseridos na paisagem urbana e na arquitetura, conseguiu ter uma temperatura cinco graus inferior à de Kuala Lumpur, na Malásia, que se encontra na mesma latitude. E inspirar urbanistas um pouco por todo o mundo.
Da nova energia ao novo urbanismo os exemplos de inovação, criatividade e persistência nas políticas são as principais ferramentas para vencer o desafio da sustentabilidade ambiental.