
Ariadne Daher : “Sistema BRT é 90 vezes mais barato do que o Metro”

Em Curitiba, a cidade pioneira do Bus Rapid Transit, há veículos que transportam 300 passageiros e têm uma frequência de 2 minutos na hora de ponta. E poupam 63% de emissões de CO2, diz a arquiteta e urbanista Ariadne Daher, em entrevista, do atelier responsável pelo lançamento do BRT no Brasil.
Se há uma cidade que pode fazer um balanço consolidado da experiência do Bus Rapid Transit (BRT), a nova tendência em Portugal, é Curitiba. Foi o arquiteto Jaime Lerner que, em 1972, esteve ligado ao lançamento do sistema de transporte rodoviário em corredor próprio, que tornou aquela cidade brasileira pioneira mundial em mobilidade eficiente. Hoje, 50 anos depois, o sistema entrou na era da eletrificação e enfrenta novos desafios, considera a urbanista Ariadne Daher, da Jaime Lerner Arquitetos Associados, numa entrevista no âmbito do Portugal Mobi Summit.
As vantagens de um sistema rodoviário BRT face aos metros ligeiros de superfície são rapidamente elencadas pela arquiteta nascida em Curitiba, embora não descarte a importância do sistema de metropolitano. “O preço significativamente mais baixo foi um dos fatores decisivos para Curitiba ter optado pelo BRT: enquanto o custo de um sistema de carril é de 20, o do metro é de 100 e o de BRT é de apenas 2”, explica Ariadne Daher, para dar uma ordem de grandeza das diferenças de valores em causa. Esse tem sido também o racional de alguns municípios portugueses na opção por esta modalidade de transporte, em que se contam, por exemplo, as cidades do Porto, Braga, Coimbra ou Oeiras.
Mas não foi apenas esse critério a pesar na decisão do município brasileiro, pois, para além de o BRT permitir usar a tecnologia que estava disponível a nível local, “permite uma muito maior rapidez, podendo ser implementada de forma célere”, ao contrário do que sucede com as outras opções.
O sistema passou por vários fases, com melhorias graduais ao longo das últimas décadas, e atualmente, com a generalização dos veículos elétricos, apresenta ganhos ambientais irrefutáveis para a cidade e também para a área metropolitana. E mesmo sem contar com a eletrificação. “Se tivermos em conta que há onibus articulados que podem transportar até 300 passageiros, que fazem mais de 1,3 milhões de viagens por dia e que estes emitem 0,084 kg de co2 por km por passageiro contra os 0,017 dos automóveis com 4 passageiros, estamos a falar de uma redução de emissões muito significativa de 63%”, exemplificou a urbanista.
Questionada sobre as razões do sucesso do sistema de transporte de Curitiba, Ariadne Dahler referiu que o BRT está integrado numa rede de transportes, é misto, e, por outro lado, assenta numa lógica de tarifa única, com o utente a pagar o mesmo preço, seja para fazer uma viagem mais longa ou mais curta. “Isso permitia que as pessoas que vivem no centro, e, no geral, têm maior poder aquisitivo, possam pagar um pouco mais por uma viagem mais curta que subsidia os que vêm de mais longe (muitos são mão de obra menos qualificada que vêm trabalhar na cidade)”. Essa função de distribuição social funcionou razoavelmente durante bastante tempo, mas há desequilíbrios demográficos que estão a fragilizar a lógica económico-financeira num momento em que o sistema se estendeu também à área metropolitana. “Enquanto a população da cidade se mantém estável, sem crescimento e mais envelhecida, a população de fora da cidade, da área metropolitana está em grande expansão”, observa. E chegam de distâncias superiores a 30 km.
Efeito brutal da pandemia
Por outro lado, a pandemia teve um efeito financeiro “brutal do qual só agora o sistema está a recuperar”. E trouxe ainda a competição da Uber, que, durante um tempo, chegou a ser tão barato como o bilhete do BRT se as pessoas dividissem o carro, o que, diz, já não se verifica. “Com a pandemia veio também uma dissonância entre Curitiba e o governo do Estado e a integração com os outros municípios da área metropolitana foi interrompida e isso foi uma lástima. Esse é um desfio que precisa de ser revisitado”, diz. Segundo Ariadne, em Curitiba o sistema ainda funciona bem, mas “à escala metropolitana é preciso melhorar”.
Um dos motivos dessa dissonância foi a tarifa única.
O segredo do BRT de Curitiba está num desenho que aposta em várias linhas e autocarros de cores e velocidades diferentes que trazem os passageiros dos bairros mais distantes para uma outra linha que depois faz uma nova distribuição para vários pontos. As paragens são frequentes, ocorrendo a cada 400 metros no máximo, e desde que foi introduzida a linha expresso nos anos 90, a frequência é muito rápida, sobretudo nas horas de ponta, em torno dos dois minutos. A pedra de toque da eficiência está no facto de o bilhete ser pré-pago, comprado nas paragens, evitando o tempo perdido no pagamento e validação dos bilhetes e ainda no nivelamento das estações com o autocarro, eliminando qualquer barreira física relacionada com subidas ou descidas. “Isso faz com que as entradas e saídas ocorram em segundos”, explica.
Ao fim de várias décadas com um sistema de transporte que já se confunde com a identidade da cidade, “a população nem sempre valoriza o transporte público”, lamenta a urbanista. Por isso sustenta que as autoridades deveriam investir mais em campanhas de sensibilização da opinião pública para uso do transporte público para tornar as cidades mais respiráveis. E alargar o exemplo a outras cidades, que sofrem com transportes pouco eficientes, muito trânsito e desperdício energético, conclui. “Há muitas oportunidades para melhorar”.
Ariadne Daher, formada em Arquitetura e Urbanismo, é responsável pelo projeto-piloto “Parque Palafitas”, desenvolvido para a cidade de Santos (SP) e assinado pelo atelier Jaime Lerner Arquitetos Associados, do qual é sócia. A arquiteta tem-se dedicado a adaptar cidades à evolução da dinâmica urbana, visando satisfazer as necessidades dos seus residentes, com vista a cidades mais inclusivas, sustentáveis e seguras.