
Uma transição energética mais rápida depende de licenciamentos mais ágeis

A indústria automóvel, os operadores de carregamento elétrico e as gasolineiras estão a acelerar rumo à neutralidade carbónica. Mas a ACAP, a Via Verde e a Repsol reclamam do Governo mais rapidez nos licenciamentos.
Quais as barreiras à transição energética na mobilidade? Será que ainda são tecnológicas ou estão mais do lado da regulamentação e dos consumidores? Foi à volta destes temas que se centrou a última Mobi Conversa, que juntou Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP, Duarte Mendes de Almeida, administrador da Via Verde Transição Energética, e também Marcos Madeira, diretor de Canais de Mobilidade da Repsol, no âmbito do Portugal Mobi Summit.
A indústria automóvel diz que fez a sua parte, os operadores e as concessionárias de autoestradas também e até as gasolineiras estão a inovar em combustíveis mais ‘verdes’. Mas reclamam menos rigidez na regulação, mais rapidez no licenciamento de pontos de carregamento e incentivos para os particulares acelerarem a sua transição energética.
Do lado do setor automóvel, “a indústria preparou-se para aquilo que são as normas europeias em termos de descarbonização. Na sequência do Green Deal e do Fit for 55, documentos estruturantes nesta área, foram criadas metas para o setor automóvel para 2025, 2030, 2035”, disse Hélder Pedro, da ACAP. “Houve um grande investimento em termos só da União Europeia, de cerca de 250 mil milhões de euros, e neste momento não é por causa da indústria automóvel que não há uma maior percentagem de eletrificação ou de procura. Aliás, é a única indústria que, se não cumprir as metas, tem multas a aplicar pela União Europeia. E não são nada meigas”, continuou aquele responsável.
Recentemente houve um adiamento para 2027, do que seria já expectável para 2025 por parte da Comissão Europeia, como resposta às dificuldades sentidas pela indústria europeia, em risco de falências para cumprir as metas à velocidade fixada.
Hélder Pedro contrapõe que a este nível de preparação não corresponderam uma série de medidas estruturantes ao nível de infraestruturas de carregamento ou de incentivos à mobilidade elétrica.
Falando da rede pública de carregamento, o administrador da Via Verde Transição Energética, Duarte Mendes de Almeida, considerou que ela “deve garantir a liberdade e a confiança dos utilizadores na mobilidade elétrica e permitir a qualquer cidadão, independentemente de ter garagem ou não, fazer uma viagem de norte a sul com previsibilidade”. E lembra que a Brisa, do mesmo grupo da Via Verde, teve aqui “um papel importante no pontapé de saída da mobilidade elétrica, ao assegurar que, nas suas áreas de serviço em autoestradas fossem instalados pontos de carregamento – neste momento já cerca de 200”. Este esforço é, “mais do que um complemento à rede privada, um garante da coesão territorial e o principal acelerador da transição”, considera Duarte Mendes de Almeida.
Pelo lado das gasolineiras, o caminho para uma mobilidade mais sustentável “tem sido um processo de grande transformação”, refere Marcos Madeira, diretor da Repsol. Até há poucos anos, “a Repsol era conhecida como empresa de estações de serviços, eventualmente de gás engarrafado e temos vindo a juntar ao nosso portfólio uma série de produtos adicionais neste âmbito, nomeadamente a eletricidade e gás para o mercado residencial e também a parte da mobilidade elétrica”. E neste momento, “em toda a Península Ibérica, temos uma rede de 3200 carregadores instalados e temos vindo a crescer”. Mas, “acreditamos que não haverá uma solução única. Queremos que o cliente tenha um mix de oferta disponível nas nossas estações, onde encontre a solução de mobilidade que mais lhe interessa. Quero destacar os combustíveis renováveis que desenvolvemos e hoje já estão disponíveis, feitos com resíduos orgânicos, sem qualquer componente fóssil e que neste momento podem ser uma solução para o setor dos pesados, onde não há esta alternativa ainda viável para a eletrificação”. Segundo Marcos Madeira, “estes combustíveis permitem reduzir até 90% as emissões de CO2 e estão disponíveis aqui em Portugal em mais de 60 estações de serviço da Repsol. Portanto é uma opção que está disponível e queremos ter essas opções todas em jogo, porque ao concentrarmos mais produtos nas nossas estações, também contribuímos para uma mobilidade mais sustentável”.
Constatado o trabalho feito pelos diferentes agentes deste mercado para se adpatarem, apesar de ainda não estarmos na velocidade certa, as críticas são apontadas mais ao topo. “A regulamentação europeia é demasiado rígida. Nós na altura defendemos o princípio da neutralidade tecnológica, ou seja, permitir que cada construtor usasse a tecnologia que melhor entendesse para atingir os objetivos de neutralidade carbónica, o mesmo acontecendo com o consumidor. Mas não foi essa a opção de Bruxelas”, observou Hélder Pedro. “Talvez estejamos em condições para reavaliar esses critérios e objetivos, sobretudo os de 2035”. A ACAP considera que devia ser reforçada a política de incentivos à compra de veículos elétricos, que é “muito restrita, sobretudo para os particulares”. Os incentivos nunca chegam para a procura, representam pouco mais de um mês e meio de vendas de veículos.
Sobre o novo regulamento jurídico da mobilidade elétrica, Hélder Pedro diz-se expectante, face à intenção manifestada pelo Governo de facilitar a acelerar processos.
Apear de tudo, “Portugal é um país que, em mobilidade elétrica, está em 6º lugar na União Europeia no ranking de vendas, é um dos pontos onde temos uma colocação acima da média europeia”. Com efeito, em setembro, os veículos exclusivamente elétricos representaram 29% das vendas de ligeiros passageiros. “No acumulado do ano estamos com 21,5%, acima da média europeia, que é 15% e muito acima de Espanha, que está a meio da tabela. Estamos num ranking com países como a Dinamarca, a Alemanha, a Holanda, que têm um PIB per capita muito superior ao português”.
Duarte Mendes de Almeida concorda com o diagnóstico.
“Acho que do lado da tecnologia, a evolução dos últimos cinco anos no elétrico foi superior à das últimas décadas no combustível. Temos agora novos carregadores com potências superiores a um megawatt, de várias marcas.Também recentemente, mesmo nos carros, os números também apontam nesse sentido”. E dá um exemplo: “Saiu recentemente o CLA, o Mercedes, que promete autonomias na ordem dos 800 km, com velocidades de carregamento de 250-300 kW, ou seja, com capacidade de carregar 400 km em 15-20 minutos.E isto não é o topo de gama, é o base.Acho que é 45-55 mil euros. Acho que a tecnologia não será uma barreira, mas sim um impulsionador da mobilidade”.
Para o responsável da Via Verde, o desafio agora é simplicar o licenciamento e a ligação à rede, mas não só. “Eu diria que a principal barreira até está no 3º elemento, ou seja, na experiência do consumidor e naquilo que nós temos que fazer para garantir que ter um carro elétrico é uma experiência tão conveniente ou até mais conveniente do que abastecer gasóleo. Esta deveria ser a nossa ambição.” O Governo já tomou, entretanto, medidas no âmbito do novo regime jurídico para tornar a experiencia de carregamento e respetivo pagamento mais simples e transparente.