Juan Tur. “Se desenharmos uma cidade a pensar nas crianças, então será boa para todos”

05-06-2025

O arquiteto especializado em reconversão urbana é responsável por projetos emblemáticos, como o Madrid-Rio, de transformação de eixos viários em espaços verdes para peões e ciclistas. Defende que é preciso investir primeiro na infraestrutura e a mudança nos comportamentos vem depois

Walk é o nome do gabinete de arquitetura e urbanismo de Juan Tur e não podia ser melhor cartão de visita do seu trabalho, orientado para redesenhar cidades com prioridade para os peões e ciclistas. Enquanto fundador da WALK Arquitecture and Landscape, com base em Madrid, Juan Tur tem participado em vários projetos inovadores de transformação do espaço urbano, em Espanha e Itália, numa lógica mais verde e democrática no uso do espaço público. Desacelerar é a palavra de ordem.

Um dos projetos mais emblemáticos foi o Madrid-Rio, em que se religaram duas áreas da cidade de Madrid que estavam separadas pelo rio. “Tive a sorte de ser parte dessa transformação da cidade, em que um corredor viário desapareceu e foi substituido por 4 km de passeios, e graças ao qual, as pessoas dos bairros de ambos os lados do rio puderam aceder a largos passeios verdes”, disse o arquiteto numa entrevista Mobi Summit.

Foi um enorme investimento, com visão do autarca de Madrid de então, decidido há mais de uma década, e que ainda hoje está a ser pago, com recurso a fundos públicos. Mas, Juan Tur não tem dúvidas de que “tem sido um sucesso em termos de valor para a área envolvente. Em causa estão bairros dos anos 60/70 com edifícios que não tinham sido projetados com grande qualidade e, agora, estão a ser alvo de muitas remodelações, porque a área valorizou bastante, fruto da intervenção urbanística”.

O maior obstáculo a ultrapassar na época foi como conseguir espaços verdes em cima de cimento, garantindo um solo decente para ter árvores sustentáveis, admite o urbanista. “Era como pegar numa zona de guerra e transformá-la em algo totalmente diferente”. E, lembra, “em 2011, não havia assim tantos projetos desta dimensão para comparar, pelo que tinhamos muitas dúvidas sobre se as árvores se aguentavam. Mas provou-se que era possível. Para isso, tivemos também de escolher as espécies mais adequadas”.

Importante nesse processo foi a visão de economia circular e de reciclagem de materiais, onde existe atualmente muita inovação. Através de uma parceria com uma empresa, a Technosols, a Walk usa materias de construção reciclados como cimento e outros para fazer os pavimentos, mas também para criar solos suficientemente nutritivos para as plantas urbanas.

Foi mesmo revolucionário, criámos quase uma autoestrada para bikes, que vai de norte a sul da cidade e passa pelo Passeio da Castelhana”.

Após aquele marco na sua carreira de urbanista e paisagista, Juan Tur investiu ainda quatro a cinco anos na reconversão de uma área em Barcelona, para criar uma diagonal verde e transformar as infraestruturas de mobilidade da capital catalã. Também esteve ligado a um projeto relevante em Milão, Itália, na reconversão de uma zona industrial numa área ecológica moderna, ligada à agua.

Mais recentemente, envolveu-se em planos de intervenção na cidade de Oviedo, em Espanha, para melhorar a qualidade do espaço público e a mobilidade no centro histórico. “A ideia é andar mais, tornar muitas áreas dominadas por carros em áreas abertas para uso pedonal”, explicou.

Questionado sobre quais devem ser prioridades dos municípios, Juan Tur considera que a chave é “encontrar um equilíbrio na distribuição dos vários modos de mobilidade, para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, havendo que assumir que em certas zonas os carros não são bem vindos, mas é preciso transformar esse espaço retirado ao automóvel em jardins e espaços de convívio”

 

Para além do equilíbrio, é importante criar uma cidade com segurança. “Se a cidade for desenhada a pensar nas crianças, consegue-se que seja boa para todos, pois se e puderem ir para a escola de bike em segurança, está-se a criar uma boa cidade”. E, ás vezes, bastam pequenas ações de urbanismo táctico, como medidas de acalmia de tráfego, mudar a cor do asfalto ou eliminar o trânsito numa via, para fazer a diferença”. E com a vantagem destas medidas de urbanismo táctico serem flexíveis e baratas, observa.

Juan Tur também cita o exemplo de Pontevedra, como cidade com a dimensão ideal para implementar estes conceitos urbanísticos, bem como a ideia da ‘cidade dos 15 minutos’. Poder trabalhar, divertir, comprar e ter serviços num círculo de proximidade é cada vez mais apreciado e deve ser o rumo dos autarcas, defende.

Até porque o arquiteto acredita mais no poder das infraestruras do que na mudança dos comportamentos. “A ideia é evoluirmos no sentido de termos bairros quase autónomos dentro das cidades”.

No fundo, o arquiteto encontra inspiração em desenhos do espaço público do séc.XIX em cidades como Paris e Londres, que não foram desenhadas em função do automóvel, mas sim da fruição pelas pessoas. “Deviamos voltar a pensar que, se foi possível, também tem de voltar a ser”.

A entrevista a Juan Tur foi conduzida por Paulo Tavares e Charles Landry, curadores do Portugal Mobi Summit.

 

 

Carla Aguiar

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