Miguel Gaspar: "Trânsito em Lisboa ainda está 60% abaixo do que era normal"

2020
25-06-2020

Lisboa aposta no teletrabalho e nas bicicletas elétricas para reduzir circulação de carros, com incentivo de 3 milhões de euros. O vereador da Mobilidade da CML diz que a utilização dos transportes públicos está a metade do que era antes da pandemia.

 

A mobilidade em Lisboa começa a recuperar, mas "o congestionamento ainda está a menos de metade, diria que 60% abaixo do que era antes da crise", disse o vereador de Mobilidade, Segurança, Economia e Inovação da Câmara Municipal de Lisboa, Miguel Gaspar, esta quinta-feira. É, apesar de tudo, um sinal de recuperação da atividade que contrasta com o mínimo histórico atingido em meados de março, em pleno Estado de Emergência, quando a circulação de automóveis caiu 70%, o transporte público 90% e os modos cicláveis 70%, referiu o vereador. Por essa altura, "o consumo em Lisboa chegou a cair 60% (medido em transações da rede SIBS), o que é uma coisa brutal para a economia da cidade", observou Miguel Gaspar, em entrevista, no âmbito do Portugal Mobi Summit. Hoje, "apesar de tudo, já houve uma certa recuperação, a utilização dos transportes públicos está em torno dos 50% e o consumo está nos 70%". Embora a pandemia esteja a afastar passageiros dos transportes públicos, pelo receio de contágio, e assim deva continuar durante uns tempos com a ajuda da queda dos preços do petróleo, Miguel Gaspar avisa que "a solução de futuro não pode passar pelo carro individual". Carro individual não é solução O responsável pela mobilidade na capital compreende "a tentação comum a muitas pessoas de pensar que o carro individual vai ser a solução, porque se sentem mais seguras". Mas desencoraja-a prontamente: "Se isso é possível num primeiro momento e será viável em muitas zonas do país, nas cidades o problema vai ser o mesmo das últimas três ou quatro décadas, que é a falta de espaço". E lembra que "mesmo que haja menos viagens para Lisboa (porque as pessoas estão em teletrabalho, desempregadas e há menos atividade económica), se houvesse uma transferência direta dos que usavam transporte público para as viagens de carro, isso seria um problema muito complicado de resolver para a cidade, porque antes da pandemia nós já vivíamos numa situação de grande pressão do automóvel, em termos de congestionamento, ruído, poluição". Teletrabalho é a grande aposta Neste contexto, Miguel Gaspar é perentório a assumir que "a grande aposta que tem de haver na cidade é no teletrabalho e é nessa linha que estamos a trabalhar". E também na reorganização do trabalho do futuro: "empresas e organizações devem organizar-se de forma diferente, pois está demonstrado que o trabalho remoto é adequado a muitas funções". Por essa via, a Câmara Municipal de Lisboa conta "reduzir um número importante de viagens na cidade, sem prejuízo da atividade económica, pelo menos, a direta", diz. Mas porque as alterações geradas pela pandemia parecem assumir sempre um efeito dominó, o vereador também admite que "se uma pessoa fica a trabalhar em casa já não almoçará provavelmente num restaurante de Lisboa, mas talvez num perto da sua casa, ou não". Ou seja, "também aqui vai haver uma transformação", de contornos ainda não totalmente claros para a economia lisboeta. Ainda na lógica de reduzir a pressão dos automóveis na capital, o responsável aponta o papel da habitação. "Vamos ter de fomentar políticas de habitação. Hoje, mais do que nunca, é importante esta lógica de ciclo curto, e é nesse espírito que se enquadram os vários programas que a CML tem para fomentar o retorno da habitação a preços acessíveis para o centro da cidade, onde, apesar de tudo, começamos a ganhar alguma tração nos instrumentos de renda acessível, renda segura e também no próprio mercado livre, notando-se um ligeiro ajustamento dos preços". O outro vetor, inevitável, para Lisboa enfrentar os novos desafios ligados à pandemia e ao ambiente é a mobilidade ciclável, adiantou. "Sabemos hoje que não é desejável ter elevadas densidades de passageiros no transporte público enquanto não houver uma solução para esta doença. E isso obriga-nos a duas coisas: a manter a capacidade do transporte público ou até aumentá-la para que o número de lugares disponíveis permita transportar as pessoas com baixa densidade, mas também a fomentar soluções alternativas, como as bicicletas". Bicicleta elétrica mais rápida que carro Miguel Gaspar aponta um indicador que considera interessante: "Quando começou a recuperação da atividade, o modo ciclável foi o que recuperou mais rápido. Batemos, aliás, o recorde de viagens por hora na ciclovia da Avenida da República" e agora está a ser usado para deslocações para o trabalho. Mas até que ponto a tendência de baixa nos preços dos combustíveis, favorável ao uso do carro, não poderá conflituar com a necessária adoção de meios de transporte mais sustentáveis? "Acho que essa tensão existe, mas temos que potenciar a memória que tivemos nestes dias de uma cidade mais limpa, mais respirável". O problema da mobilidade tem a ver com a liberdade individual e o interesse coletivo, lembra. Ora, "não há problema se uma pessoa trouxer o carro para Lisboa, mas 600 mil carros já é um problema". Hoje há maior sensibilidade para fazermos o que está ao nosso alcance pelo ambiente, "mas ao mesmo tempo, o ser humano é egoísta, focado no seu objetivo individual". Como se contorna esta contradição? "Criando alternativas que possam ser melhores para o próprio interesse individual das pessoas", diz. Quais? "A bicicleta elétrica na cidade é muito rápida. Para viagens de menos de quatro ou cinco quilómetros, que representam 75% das viagens em Lisboa, a velocidade de circulação média está na casa dos 17/18km por hora", garante Miguel Gaspar, contrapondo os meros 12 a 14 km por hora obtidos pelo carro em cidade. "A bicicleta na cidade não é melhor só porque contribui para o ambiente, ela é melhor porque é mais rápida. Acho que as pessoas que experimentem a bicicleta terão um modo mais conveniente e é por isso que mudarão". Por cada pessoa que passar para a bicicleta, ela vai deixar mais espaço para os outros e o que nós precisamos é de espaço. "Por isso é importante que outros tenham a possibilidade de mudar, mesmo que nós não possamos. Mas também não convém dizer que mudar é problema do outro senão não muda nada", alerta. O esgotamento da capacidade de produção nacional de bicicletas por estes dias parece prenunciar um novo ciclo na mobilidade. "Temos um programa de apoio à aquisição de bicicletas no valor de três milhões de euros, que estamos a lançar, com dois alvos: escolas e compras. Com o regresso às escolas, em setembro, estamos a criar condições para que as ciclovias sejam mais seguras e a bicicleta seja uma opção para os estudantes do ensino secundário e universitário". Por outro lado, também haverá incentivos para as cargo-bikes, que tanto dão para o transporte de crianças como para compras. Quando sabemos que perto de metade das vezes em que os carros são usados é para levar as crianças à escola, se esta solução for promovida, há um grupo de pessoas que estará disponível para experimentar, acredita Miguel Gaspar. E partindo do seu próprio exemplo, conclui: "é uma experiência que muda realmente a perceção, vive-se a cidade de uma forma diferente, fica-se fã".

Artigos relacionados

O exemplo de Paris para resistir ao boom de trotinetas e bicicletas

App da EVIO para carros elétricos vence Prémio Startup do Ano

A mobilidade do mundo em mudança vai entrar na cimeira do Portugal Mobi Summit