
Cidades à prova de pandemia não se constroem da noite para o dia

Deloitte identificou quatro recursos para robustecer os serviços públicos. Com estratégias de longo-prazo obtêm-se resultados que fazem a diferença nos momentos de pandemia.
Estudo da Deloitte avaliou 167 cidades, identificando quatro recursos para robustecer os serviços públicos. O desafio é enorme, mas não impossível. Com estratégias de longo-prazo obtêm-se resultados que fazem a diferença nos momentos de crise.
Um ano e meio depois, boa parte do mundo ainda trava batalhas diárias contra a covid-19. É tempo mais do que suficiente para se concluir que muito poucas cidades estavam preparadas para responder à pandemia. Do que precisam os centros urbanos para reagir com rapidez e eficácia a futuros eventos tão disruptivos como o vírus SAR-COV-2? Numa só palavra, resiliência. Esse é o trunfo apontado no estudo "Cidades à prova de futuro num mundo pós-pandémico", da consultora Deloitte Global. O relatório está suportado no desempenho de 167 cidades de 82 países, cobrindo todos os continentes com realidades demográficas, sociais e económicas muito diversas. Miguel Eiras Antunes e Mahesh Kelkar, ambos especialistas em Smart Cities da Deloitte, são os autores que procuraram entender como os governos municipais lidaram com a pandemia e como estão a tirar partido das tecnologias digitais e outras soluções inovadoras para impulsionar a retoma na pós-pandemia. O objetivo foi identificar os desafios, as fragilidades e os progressos feitos pelas cidades em áreas consideradas vitais para aumentar a resiliência nos sistemas de saúde, nas decisões políticas ou em outras esferas da gestão urbana. E, desde logo, se concluiu que, sem "agilidade, escalabilidade, estabilidade e opcionalidade", as cidades nunca vão estar preparadas para "governar o presente e antecipar o futuro". Esses são os quatro instrumentos para gerir crises que, à semelhança desta pandemia, podem surgir do nada, apanhando a todos desprevenidos. A agilidade mais não é do que a forma como uma cidade age e reage com rapidez, mudando de direção sempre que as situações o exigem. A escalabilidade, por seu turno, é a capacidade de responder numa escala global às necessidades repentinas e passageiras, enquanto a estabilidade permite explorar soluções e estratégias para o futuro sem comprometer o presente. Por fim, o último critério traduz-se nas opções das autarquias para aumentar serviços e operações em sinergia com setores público e privado, onde estão incluídas startups, empresas de tecnologia, universidades ou outras organizações.A construção da resiliência
No domínio da agilidade, o relatório da Deloitte revela que 52% das cidades identificaram políticas, regulamentos e práticas muito complexos a dificultar as metas sociais, ambientais ou económicas. E quanto mais os centros urbanos se tornam inteligentes, maior é a dificuldade em navegar pelas burocracias e regras internas. Um novo modelo impõe-se, por isso, para criar um serviço público "just-in-time", no qual a função dos funcionários não esteja unicamente limitada ao seu departamento, mas em várias tarefas e projetos com base nas suas competências. A covid-19, entretanto, veio antecipar a revolução digital o que, no domínio da escalabilidade, permitiu ganhar dimensão através de serviços digitais e operações remotas. Bastará lembrar como a telemedicina, o teletrabalho ou a telescola entraram no nosso quotidiano. Ter uma infraestrutura digital tornou-se "num imperativo" – relembram os autores do relatório -, mas esta área continua a ser um desafio para muitas cidades que só agora começaram a investir em sistemas inteligentes, sobretudo em mercados emergentes da África, Ásia e América Latina. A resiliência, porém, não se constrói da noite para o dia. A capacidade para gerir os recursos, dando respostas não só aos problemas atuais, como investindo em inovações para o futuro são os dois eixos da estabilidade. O principal entrave – esclarecem os autores – é a falta de acesso a dados e análises avançadas em tempo útil para conduzir operações e estratégias. Ao investir em análise de dados, Inteligência Artificial ou machine learning, os municípios aumentam a margem para antecipar respostas, além de poderem realocar rapidamente os recursos em situações de interrupções nos sistemas ou serviços. Quase 40% das cidades identificaram isso como uma grande lição que aprenderam com a pandemia. A opcionalidade, por fim, é o último recurso recomendado no relatório e que permitirá criar redes mais amplas de colaboração, seja para entregar bens ou disponibilizar serviços. No auge da crise pandémica, as cidades procuraram tirar o maior partido da cooperação para disponibilizar kits de testes e ventiladores, mas quase 50% dos municípios relataram a dificuldade em encontrar fornecedores, parceiros ou consultores certos para ampliar essa rede, procurando agora estreitar parcerias não só com agências estatais, como com startups e outras entidades privadas. A abordagem, no entanto, exigirá mais proatividade dos serviços públicos para construir ecossistemas com funções e capacidades múltiplas. Esse é o caminho para desenhar plataformas onde estejam integrados a sociedade civil, as empresas locais e outros atores, que juntos possam disseminar rapidamente informações aos cidadãos, rastrear contactos, gerir bloqueios localizados, prestar serviços de emergência ou apoiar populações vulneráveis.A cidade que venceu a covid-19
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[icon_block icon="icon-lamp" align="" color="" size="25"] 3 PERGUNTAS A...

Miguel Eiras Antunes Líder global da prática de Smart City da Deloitte e coautor do estudo
"Todas as cidades terão de fazer progressos ??na governação das tecnologias inteligentes"
Das quatro capacidades em que as cidades precisam investir, qual a mais desafiadora? A agilidade, ou seja, a capacidade de abraçar flexibilidade e agilidade em vários domínios, incluindo tecnologias de informação, força de trabalho e governança, continua a ser uma área desafiadora para o governo. Se olharmos para os quatro recursos de forma holística, as cidades fizeram o maior progresso em escalabilidade - criando uma infraestrutura digital flexível e escalável. A nuvem é o principal investimento em tecnologia digital, com quase 88% das cidades a fazerem hoje grandes apostas nessa infraestrutura que, aliás, deverá continuar a ser, nos próximos três anos, uma área de investimento em tecnologia de ponta para as cidades. Quantas cidades portuguesas entraram no estudo e qual o seu desempenho? Lisboa e Porto participaram no estudo. O relatório destacou grandes barreiras a serem superadas para atingir os objetivos sociais, ambientais e económicos. Desde logo, na agilidade devido a políticas, regulamentos e procedimentos de aquisição complexos sobre estabilidade. O acesso oportuno a dados e análises para a tomada de decisões foi uma grande lacuna e, como tal, também uma grande lição retirada com a pandemia. No domínio da escalabilidade, a infraestrutura digital limitada / sistemas legados inflexíveis são um desafio, mas Portugal já está a fazer grandes investimentos em nuvem e tem um plano para continuar a investir nos próximos três anos. Na opcionalidade, os grandes desafios passam por encontrar fornecedores, parceiros e consultores certos. As cidades portuguesas estão a fazer mais progressos na escalabilidade, o que está alinhado com as conclusões gerais do estudo quando se olha para as quatro capacidades de forma holística. Quão confiante está a Deloitte na capacidade das cidades europeias em estarem preparadas para enfrentar um evento tão impactante como a pandemia? A Europa é uma das regiões líderes com progressos consideráveis ??em quase todos os parâmetros cobertos pelo inquérito. Ao todo, 37 cidades da UE foram abrangidas neste inquérito, estando elas entre as que mais progrediram nos objetivos de desenvolvimento sustentável – 92% incorporaram estes objetivos nos seus planos com ganhos mais impressionantes na saúde e bem-estar, trabalho digno e crescimento económico e cidades e comunidades sustentáveis. Mesmo em áreas onde fizeram menos progresso, como redução das desigualdades e ação climática, elas estão à frente das cidades de outras regiões. As cidades da Europa, no entanto, estão atrás das da América do Norte na preparação para ataques cibernéticos: 54% estão bem ou muito bem preparadas (contra 58% das cidades norte-americanas). Finalmente, a Europa tem o maior número de líderes de cidades inteligentes no estudo, com 18. Uma área em que todas as cidades, e não apenas a UE, têm de fazer progressos consideráveis ??é na governação das tecnologias de cidades inteligentes, encontrando formas de as implantar rapidamente no terreno. Isso ajudará a desenvolver melhores capacidades de antecipação e também a melhorar sua perceção e capacidade de resposta.