UVE deteta falhas do novo regime jurídico de mobilidade

Mobi Conversas
02-09-2025

A UVE- Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos analisou o Novo Regime Jurídico de Mobilidade que está a entrar em vigor e identifica falta de opções de escolha para consumidores e de clarificação de custos, aplaudindo moldura de coimas para infratores e apelando para celeridade de implementação no num período de transição que quer que seja suave, calmo e sem alarmismos.

A interoperabilidade obrigatória em todos os postos de carregamento de veículos elétricos ficou de fora do novo regime jurídico da mobilidade, denuncia Pedro Faria, presidente da comissão executiva da UVE.

A associação de Utilizadores de Veículos Elétricos acompanhou a elaboração do diploma do atual governo e revela preocupação com alguns pontos,  “não é com o que a lei tem, porque efetivamente a lei traz alguns avanços importantes, mas aquilo que nós temos problemas é com o que faltou na lei.”

A UVE defende a existência do maior número de opções para o utilizador. Isto é, chegar a um posto de carregamento e ter o maior número de soluções possíveis para o utilizador, mas para Pedro Faria, foram vedadas duas soluções que a associação de utilizadores de veículos elétricos considera muito importantes e que já existiam: a obrigatoriedade de interoperabilidade de todos os postos, ou seja, qualquer utilizador da rede tem  um cartão de carregamento que permite carregar em toda a rede pública, mas isso vai terminar. Pedro Faria acrescenta que, “pelo menos vai terminar nos moldes que nós temos e vamos ficar sujeitos a conexões que podem ou não estar presentes nos postos. Também em risco de desaparecer, algo que nos permite, como hoje, selecionar o nosso fornecedor de eletricidade e levá-lo connosco a todos os postos. 

 

Exemplifica, “eu tenho um fornecedor de eletricidade em casa. Ele atribui-me condições vantajosas e eu levo esse meu fornecedor para todos os postos, mas isto são pontos que faltam na nova lei e que nós gostávamos que tivessem sido mantidas, para termos o maior número de opções possíveis para o utilizador.”

 

O dirigente conclui que atualmente há a garantia de que com apenas um cartão pode carregar-se o veiculo em toda a rede pública, ou seja, garantida a interoperabilidade obrigatória, ou a interligação entre todos os postos, mas tal  deixa de estar contemplado na nova lei e os postos podem ficar isolados, porque a  interoperabilidade passa a ser dada por um cartão de pagamento bancário. O que Para Pedro Faria é bom, principalmente para novos utilizadores, que chegam ao posto e terão uma forma de pagar com o seu cartão, tal como fazem em quase todos os outros serviços que normalmente utilizam durante o seu dia-a-dia.

A adaptação a esse cartão bancário terá que estar operacional até o final de 2026 em todos os postos com potência superior a 50 kW de carregamento. Nos postos abaixo de 50 kW terá que ser utilizada uma aplicação com QR Code para fazer o pagamento. Depois, falta uma solução que efetivamente possa solucionar problemas de cartões de frota, para que se possa  transportar o respetivo fornecedor de eletricidade de cada utilizador.

Aqui, o responsável da UVE conclui que faltam  mais opções para o utilizador, nomeadamente mantendo aquelas que existiam anteriormente. 

Para Pedro Faria, nesta altura, a principal preocupação é garantir que exista um período de transição suave, calmo, sem alarmismos e que principalmente se mantenham os níveis de serviços já existentes, porque considera que a mobilidade elétrica já não suporta ficar sem serviço nos carregadores, ou sem par dos carregadores, neste período de transição.

“Não é suposto isso acontecer e quer acreditar que tal não vai acontecer. “

Há novos desafios trazidos pelo novo modelo que a UVE considera que merecem atuação por parte dos agentes envolvidos no processo.

Para Pedro Faria, “não quer dizer que sejam piores ou melhores, ou mais fáceis de resolver do que os anteriores, pois são diferentes, mas são situações em que se tem de atuar. Algumas delas com urgência, pois ao termos como interoperabilidade o cartão de pagamento bancário, num modelo que ainda não está muito estável, isso pode levar a cativações excessivas. O que é isto quer dizer? Que tal como nos combustíveis, há cativações de valores, quando se paga com o cartão bancário,  também na mobilidade elétrica, mas a UVE teme que essas cativações possam ser muito elevadas e que principalmente o modelo possa não ser célere.”

Tal depende de uma cadeia de fatores, até devolverem o dinheiro remanescente e isto pode criar problemas, adianta pedro Faria que se uma pessoa estiver em viagem e precisar de fazer 3 ou 4 carregamentos por dia e em cada carregamento existir uma cativação de 40 euros que só serão devolvidos no dia seguinte, ou passados  2 dias, isto cria um problema ao utilizador.

Realça ainda que a nova lei prevê que os postos mais antigos, possam ser desligados da atual rede nacional ( gerida pela Mobi.E) até o final de 2026, pois o facto de ser imediatamente obrigatório a existência de um cartão bancário para pagamentos, estes ficam dependentes da existência de uma app do dono do posto que permita fazer tal operação. Ora, a Eve teme que  sem cartão de pagamento, ou sem o atual e habitual cartão C, esta é uma probabilidade que existam constrangimentos e há que chamar a atenção para que tal não seja permitido e para Pedro Faria, a nova legislação deveria ter previsto isso.

 

Chama ainda a atenção para outro problema grave, que é o facto de hoje existir um sistema que já tem milhares de postos em uso e que permite a um colaborador de uma empresa ter um carregador em sua casa, utilizando um cartão de carregamento que a empresa lhe cede. O que permite que esse carregamento é debitado diretamente à conta da empresa, permitindo ao utilizador carregar em casa, com débito direto na conta da empresa, o que se chama o vulgar sistema DPC - Detentor de Ponto de Carregamento. 

Com a nova lei, o modelo tal como existe atualmente termina, ou seja, existem milhares de equipamentos em casa de vários colaboradores de empresas, já instalados pelo próprio utilizador, apoiados e suportados pelas respectivas companhias  que vão deixar de existir, ou não estão previstos na nova regulamentação, o que para a UVE é muito problemático, alegando que  no decreto-lei, existe uma indicação para que o regulador crie uma situação que possa resolver este problema com a criação de um novo sistema, mas esse nunca será igual, desafiando por isso, o executivo, a regular para que se possa ter um sistema semelhante e garantindo a operabilidade de todos os milhares de equipamentos já instalados em casa.

Pedro Faria diz estar preocupado, porque “as pessoas fizeram o seu investimento e não lhes podem pedir mais e maiores investimentos agora, só porque a lei mudou. Portanto, temos que encontrar aqui uma forma da tutela, encontrar um apoio para suportar estes custos de modificação destes equipamentos, que têm operado em sistema DPC, que era uma facilidade que o modelo de mobilidade tinha para tudo aquilo que é a gestão das frotas das empresas e agora, perdemos esta funcionalidade fundamental. Por isso, estamos em crer, que o regulador vai encontrar uma solução. Existem várias soluções técnicas que podem ser implementadas, mas aquilo que queremos é que seja um processo rápido, claro e, como disse, que a tutela se encarregue de suportar aquilo que possam vir a ser possíveis custos de transição dos milhares de equipamentos que já estão instalados.”

 

Para a UVE, uma coisa é corrigir-se um constrangimento, outra é, se existe um modelo que funciona, porquê mudar? A Associação realça que defende tudo aquilo que está na lei, “nós queremos de uma forma simples, chegar ao posto e pagar e ter uma simplificação do tarifário no posto. Isso é fundamental, principalmente para novos utilizadores, mas também queremos mais opções para os utilizadores. Nós não queríamos que tivessem sido perdidas funcionalidades e isso foi o que aconteceu para já neste decreto-lei.”

 

Pedro Faria acredita que tal possa vir a ser resolvido, com maior ou menor dificuldade em futuros regulamentos, mas para já, perdem-se funcionalidades. Defende ainda que queriam ter mantido aquilo que tinham e adicionado as outras propostas bastante positivas trazidas pela nova regulamentação.

 

Outro desafio identificado pela UVE são os serviços de subscrição, com um modelo semelhante àquilo que se usa na Europa e praticado por outras associações congéneres e que passa pelo utilizador chegar a um posto de carregamento  e o operador desse posto tentar fideliza-lo à sua rede e para a UVE tal faz sentido pelo custo elevado do que se chama  carregamento ad-hoc, carregamento puro, ou carregamento simples., que pode ter um custo de 70 cêntimos, por kWh.

Exemplifica com a criação do método de subscrição, em que se paga mensalmente um valor e esse valor de carregamento por kWh pode baixar consideravelmente para 35 cêntimos ou, eventualmente, até para menos, considerando por isso, que as novas regras criam uma dificuldade acrescida aos novos utilizadores, para perceber o modelo.

Para estes serviços de subscrição, a lei tornou-se muito permissiva, indo mesmo além daquilo que é o regulamento europeu, para permitir estes serviços de subscrição, que a UVE não concorda que existam e que considera que  têm que estar muito bem regulamentados e muito bem enquadrados. Pedro Faria explica que “não podem acontecer por qualquer motivo e há ainda uma falta de obrigatoriedade do tarifário por kWh.

Recorda que o novo modelo previsto no decreto-lei que esteve em consulta pública, baseava-se numa cobrança fundamentalmente nos postos por kWh (unidade de energia) sendo muito fácil de controlar pelo utilizador, mas conclui que “infelizmente, foi alterado e, na versão final, nós temos um sistema de tarifário muito permissivo, que permite modelos baseados no tempo, baseados no preço por minuto, o que  confunde o utilizador e trás algumas dificuldades. Por isso, a UVE defende um tarifário em kWh, consoante a potência do posto de carregamento, durante um certo período de tempo. Num posto de 50 kWh, seria durante uma hora e se o posto fosse de 150 ou maior, poderia ser já só de 45 minutos, porque durante esse período haver um custo ao kWh que seria conhecido e que o utilizador saberia exatamente quanto é que vai pagar. 

 

Outra critica de Pedro Faria é a tendência para se perder várias apps, que têm todos os postos da rede nacional inseridos de forma garantida e segura. Sublinha que “ao deixarmos de ter a tal interoperabilidade obrigatória, ficamos dependente dos privados, da sua forma de encontrar maneiras de fazer acordos, ponto a ponto, que ponha todos os postos, numa mesma app, digamos, num mesmo mapa. Isto significa que passam a ser diminutas as garantias de que abrimos uma aplicação e de que todos os postos da rede pública estão nessa aplicação, porque tal hipótese passa a reduzir-se bastante. Cada aplicação terá os postos com quem fizer acordos ponto a ponto.

 

Outro problema considerado muito sério por Pedro Faria,  é o possível fim da atual tarifa de acesso às redes específica para a mobilidade elétrica que facilita muito a instalação de postos em zonas remotas,  onde a taxa de ocupação desses postos não é significativa.

 

O dirigente da UVE alerta que se tal terminar, “isso pode levar, em caso extremo, ao encerramento de postos com taxas de ocupação muito baixas, porque a nova tarifa da mobilidade, se não for feito nada, passa a ser uma tarifa genérica e essa tarifa genérica terá custos fixos mensais na ordem dos 60 euros, ou mais,  em postos que podem ter uma receita apenas de 10, 15 euros, por terem taxas de ocupação muito baixas e, obviamente, ou levará os operadores  a aumentar os preços nos restantes postos, ou vão esses postos fecham, logo é um problema muito grave.

Noutros países europeus existem soluções para mitigar este problema e a UVE espera que em Portugal também seja criado algo semelhante, embora já existisse essa tal tarifa de acesso às redes específica de mobilidade elétrica que resolvia muito bem a situação.” 

A UVE identifica ainda a falta de 17 portarias ou regulamentos na nova legislação e espera que sejam emitidas em breve, para evitar um período de incerteza e indesejáveis dificuldades para o utilizador.

Os utilizadores de veículos elétricos, gostavam de ver mais simplificação e adaptação aos particulares, do modelo DPC já existente mas focado nas frotas e sublinham que não são contra o Novo Regime Jurídico da Mobilidade, recordando que por exemplo a solução dos carregamentos em casa, era já uma referência para o resto da Europa, por ser funcional e muito procurada.

O novo decreto-lei encarrega o regulador, para encontrar uma solução, designada por submitring, uma espécie de segundo contador a instalar em casa que vai a uma conta diferente, mas no entender da UVE será sempre uma solução mais complicada, pois já tinha sido estudada há muitos anos e nunca foi colocada em prática, por trazer dificuldades à sua concretização no terreno.

A nova legislação dá agora 120 dias ao regulador para o implementar a solução,  mas a UVE tem muitas dificuldades em acreditar que tal vá acontecer em 4 meses quando há anos de estudo e ela nunca apareceu. 

Pedro Faria realça que a nova lei não é um drama para os utilizadores e a UVE vai continuar a sua missão de enfrentar os desafios que considera urgentes resolver, sem alarmismos, pois não prevê constrangimentos fortes. 

Acredita que a mobilidade elétrica vai continuar a evoluir. O sector vai continuar a crescer e “os novos desafios não são maiores, ou menores, que os anteriores, apenas são diferentes e havendo matérias reguladas a prioridade deveria ser tentar resolver os constrangimentos que já tinham sido detectados por operadores e utilizadores e que acabam por não estar contemplados.

A associação de utilizadores de veículos elétricos garante ainda que teve uma resposta massiva àquilo que foi o decreto de lei colocado em consulta pública, com mais de 400 respostas e a maioria delas iam no caminho de manter aquilo que o país tinha, mas adicionado muitas destas soluções que agora foram colocadas em cima da mesa.

 

Pedro Faria evoca uma visão simplista, “isto é muito simples, o utilizador, quando chega a um posto de carregamento, tem que ter o maior número de opções para iniciar o seu carregamento. Logo, o primeiro desafio é a lei e  esta nova legislação cria essa obrigação de pagamento por um cartão bancário, pois nós estamos habituados a ter esse serviço em tudo aquilo que utilizamos no dia-a-dia. A lei anterior permitia, mas a nova lei veio clarificar totalmente a opção do sistema de carregamento de veículos elétricos ter essa solução de pagamento com o cartão bancário.

A segunda opção que devemos ter, e esta lei também contempla,  é de que o dono do posto possa fazer um preço global, simples,  e tudo aquilo que queira fazer com o seu ativo. Portanto, o dono é proprietário do posto, logo, pode cobrar, idealmente em quilowatt-hora, pensamos nós, da forma que quiser e fazer promoções, ou seja, deve explorar o posto da forma que queira e ter todo o contato direto com o utilizador.

Isso é uma inovação na lei, que permite até desbloquear situações, como a relação com o maior operador de redes de carregamentos mundiais, a Tesla,  que estava num braço de ferro com a nossa anterior lei pois não desenvolvia a sua rede de carregamento e o novo regime resolve este problema.

Em terceiro lugar, a UVE espera que a nova legislação reponha o direito de opção dos utilizadores na escolha do operador, quando defende a interoperabilidade obrigatória e a possibilidade de, num mesmo ponto de consumo, haver vários fornecedores de eletricidade, com opção de escolha do fornecedor por parte do utilizador.

Pedro Faria remata que “esta terceira solução é que nos foi retirada. Era o que existia na lei. Esta interoperabilidade obrigatória é o nosso problema e o nosso retrocesso, chamemos-lhe assim, pois não foram adicionadas opções para o utilizador, apenas foram trocadas algumas opções.”

De qualquer forma, o documento está aprovado, promulgado pelo Presidente da República, e entrou em vigor, clarificando o regulamento europeu e trazendo para a legislação nacional até a moldura de  coimas para quem não a cumpre e no limite pode levar ao encerramento de postos.

A UVE garante que vai continuar a dialogar com o governo tal como tem vindo a fazer e recorda que teve um contacto permanente  com a Secretaria de Estado da Mobilidade, durante todo este processo de elaboração novo regime jurídico da mobilidade, tendo sido auscultada pelo menos três vezes. Tentou também desenvolver contactos junto dos grupos parlamentares para chamar a atenção para estes problemas, tal como fizeram os próprios operadores e comercializadores.

Pedro Faria remata que “infelizmente a tutela optou por esta opção de partir, de quebrar, em vez de construir em cima do que estava feito.É uma opção válida. Agora, temos que construir em cima desta nova legislação.”

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