Paris: “Transformar ambientes dominados pelo automóvel em locais onde as pessoas queiram viver”

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23-10-2025

A capital francesa tem sido palco de uma verdadeira revolução da mobilidade. Começou com pequenos passos e, hoje, mais de 25 anos depois, as alterações implementadas mudaram drasticamente a forma como os parisienses vivem a cidade. A população e as bicicletas reconquistaram o espaço público. Os automóveis perderam lugar. Paul Lecroart, urbanista sénior, detalhou a operação em curso, na manhã do segundo dia do Portugal Mobi Summit, em Algés.

Paul Lecroart, urbanista da Paris Region Planning and Environmental Agency, não tem dúvidas: “Construir cidades em torno de automóveis, induz tráfego automóvel. Quanto mais autoestradas temos, mais tráfego geramos. Precisamos de inverter essa espiral”. E Paris, à semelhança de outras cidades do Norte da Europa, em que as autoestradas foram parte central do planeamento urbano, nos anos 80 e 90, deparou-se com essas estruturas viárias como barreiras ao desenvolvimento. Era crucial, por isso, contou Paul Lecroart, pensar em “redesenhar toda a infraestrutura viária”.

“O que acontece quando se destrói ou se removem essas autoestradas? Foi essa a pergunta que fizemos”, recordou o urbanista. Seul, na Coreia do Sul, foi um dos exemplos a tomar em conta. Ali, uma via que levava tráfego direto ao centro da cidade, e por onde passavam cerca de cem mil automóveis por dia, tinha sido construída sobre um rio. Um autarca, após a ideia de um professor universitário e de um grupo de alunos, optou por a remover – mesmo quando poucos acreditavam que o faria. “Hoje, é um corredor ecológico, um espaço público muito agradável. Isso inspirou-nos muito, em Paris, ao ver como conseguiram passar de uma situação em que o tráfego era incontrolável, para outra em que podiam fechar a via aos domingos, porque quase não havia carros”, contou Paul Lecroart. “Como é que isso foi possível? Primeiro, porque quiseram fazer acontecer. Segundo, porque adotaram um conjunto de medidas de mobilidade integradas”, sublinhou, ainda, o especialista.

Aos poucos, também a capital francesa começou a dar mais passos rumo a mudanças maiores na mobilidade. Há 15 anos, nas margens do rio Sena circulavam cerca de 65 mil veículos por dia. “Primeiro, eliminámos o tráfego na margem esquerda. Mas, na margem direita, havia ainda 40 mil carros por dia. Por isso, colocámos cinco semáforos. Dantes, também se passava por baixo das pontes, exatamente como acontece na marginal de Lisboa. Isso foi alterado e, claro, foi um enorme sucesso”, exemplificou Paul Lecroart.

Mesmo com diversos entraves políticos pelo caminho, Paris seguiu a mudança. Removeram-se barreiras rodoviárias, aproveitaram-se as margens do rio, reabilitaram-se e criaram-se novas praças – muitas delas num trabalho conjunto com as comunidades e instituições locais. Implementou-se um elétrico que contorna a cidade. Fecharam-se ruas. Mais recentemente, apostou-se na expansão das linhas de metro – e na relocalização, perto delas, de novos polos habitacionais. E criaram-se corredores para bicicletas e para autocarros, assim como zonas com velocidade máxima permitida de 30 quilómetros por hora. Aliás, nos últimos anos, a estratégia de mobilidade passou a ter “como verdadeira prioridade a bicicleta”, assumiu Paul Lecroart. Tanto que Paris já conta, atualmente, com quase mil quilómetros de ciclovias e com milhares de lugares de estacionamento para os velocípedes. “As infraestruturas para bicicletas e para peões são muito baratas e podem ser feitas rapidamente”, realçou o urbanista. "Trata-se de transformar estes ambientes dominados pelo automóvel em lugares onde as pessoas queiram viver", frisou. 

A pandemia, em Paris, foi a oportunidade para acelerar a “revolução urbana”. Depois, os Jogos Olímpicos, no ano passado, voltaram a alavancar mudanças. A experiência ensinou a Paul Lecroart que as transformações urbanas levam a mudanças de comportamentos e que “as pessoas passam a usar outros modos de transporte, a viajar de forma diferente, a usar menos o carro ou a compartilhar veículos”. “Com medidas simples, conseguimos grandes resultados. Agora, as multas de estacionamento são mais elevadas, o sistema está mais organizado e há menos estacionamento ilegal”, resumiu.

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